São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
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Alterlatinos

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor mexicano Octavio Paz afirmou certa vez que o problema de seu país era estar tão longe de Deus e tão perto dos EUA.
Mas estar ao lado do próprio diabo pode ter suas vantagens. Pelo menos para as bandas latino-americanas, que estão pegando emprestado o rock, do país ao norte, e fundindo com todos os ritmos abaixo do Rio Grande.
E, com ajuda da estratégia das gravadoras, o rock latino tenta incursões pelo território norte-americano: em junho, a turnê Rockinvasión-97 passou pelas cidade de San Diego, Los Angeles, Houston, Chicago, Nova York e Miami.
As bandas Los Fabulosos Cadillacs (Argentina), Aterciopelados (Colômbia), La Maldita Vecindad (México) e La Unión (Espanha) tocaram para o público hispânico e para os fãs norte-americanos, atraídos por um rock'n'roll que soa diferente ao deles.
O rock também é cantado em espanhol nos EUA, e o maior exemplo é o Brujeria, death metal com letras de extremo humor negro.
Os integrantes da banda, entre eles os baixistas visitantes Billy Gould (Faith No More) e Shane (Napalm Death), bem que poderiam ser detidos por apologia às drogas. A música "El Patrón" é uma ode a Pablo Escobar, chefe do cartel de Medellín morto em 1993.
A receita do Brujeria mistura ainda satanismo, comunismo, imigrantes clandestinos e guerrilha zapatista. O primeiro disco foi "Matando Güeros" (Matando Branquelos), e o segundo, "Raza Odiada", com o subcomandante Marcos aparecendo na capa.
"Spanglish"
Pelo lado mexicano, a região fronteiriça é dominada pelo hip hop do Control Machete e Molotov, bandas de Monterrey, cidade mais próxima da texana Dallas do que da Cidade do México.
O idioma é o "spanglish" e a batida marcada se funde com boleros, música rancheras e cumbias.
Por lá também há espaço para o ska-punk do Tijuana No.
Esses são o último sucesso do país que já fez famoso o Cafe Tacuba, que, depois de estar no festival Lollapalooza, fez sucesso em todo o continente com seu terceiro disco, "Avalancha de Exitos" (1996).
Classificada pelo jornal "Los Angeles Times" como uma mistura do inglês Sid Vicius e do brasileiro Sérgio Mendes, a sonoridade do Cafe Tacuba aceita polcas, iê-iê-iê, baladas e até uma versão psicodélica do bolero "Perfidia".
O quarteto da capital mexicana tocou em Porto Alegre, em novembro, se apresentando no festival MTV Tordesilhas.
O México empata com a Argentina na produção alterlatina.
País com maior concentração de fãs e bandas decalcadas nos Rolling Stones (a principal, Ratones Paranóicos), a Argentina também está acatando a ordem de fundir rock, rap e ritmos locais.
Os dois exemplos clássicos são Los Fabulosos Cadillacs e Los Auténticos Decadentes, bandas de ska nos anos 80 que mudaram de estilo com os anos e os discos.
Los Fabulosos trocaram o ritmo jamaicano pelo cubano (rumba) e introduziram em seu som até o charango, violãozinho andino.
Já Los Auténticos foram em direção aos cantos das torcidas de futebol e da batucada carnavalesca de Buenos Aires, a murga.
Essa mesma mistura, com um pouco mais de peso, é seguida pelos novatos Los Piojos, cujo maior sucesso é sua música "Maradó", em homenagem ao camisa 10 da seleção campeã na Copa de 1986.
A fusão acaba englobando até a música de protesto, que todo mundo pensava estar esquecida lá pela década de 60. É o caso de Todos Tus Muertos, liderado por um vocalista de nome Ernesto Fidel, que adota o visual rasta.
"Em Buenos Aires, vestir como rasta é querer ser apontado na rua. Aqui, as pessoas agem como policiais", afirma o líder da banda.
O nome da banda de reggae-ska-punk é uma referência aos 30 mil mortos e desaparecidos durante o último regime militar na Argentina (1976-83).
Até os integrantes da recém-extinta Soda Stereo, rock glamouroso que já foi unanimidade, esqueceram as antigas pretensões e partiram para projetos solos com resgate da música folclórica.
Para completar a tendência, o conjunto Los Pericos gravou em versão reggae o tango de Carlos Gardel "Por Una Cabeza".
Garota de Medellín
Na contramaré, o rock colombiano também se faz ouvir, principalmente depois do surgimento dos Aterciopelados (em português, aveludados), banda de Bogotá com o vocalista vinda da Medellín, Andrea Echeverry.
Em 1997, suas músicas "Cosita Seria" e "Baracunatana" viraram hits no mercado continental.
Os Aterciopelados tampouco renega em sua músicas os ritmos tradicionais, como o joropo.
Outra força no rock latino é Chile. A novidade por lá é o grupo Los Tres, que, apesar do nome, é um quarteto. O disco acústico, originário de show na MTV, multiplicou sua popularidade.
Como o brasileiro, o rock dos outros países latino-americanos responde à onda dance que varre os 90, se aproximando da tradição, atrás da sonoridade acústica e dos ritmos locais. Se não, como explicar o surgimento do forró-core dos Raimundos e o pagode'n'roll dos Virgulóides?

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