São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Cai a subnutrição de crianças pobres

Pesquisa detecta queda no número de filhos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os pobres não ficaram menos pobres entre 1990 e 1996. Mesmo assim -e é o grande paradoxo-, a saúde de suas crianças melhorou.
A mulher brasileira tinha em média apenas 2,3 filhos no ano passado. Bem menos que os 2,9 de 1991 ou os 4,3 de 1980.
A aceleração da queda de fecundidade já era conhecida dos demógrafos. O que não se sabia é que também decresceu a uma velocidade maior a subnutrição entre crianças com até cinco anos, medida pelo atraso no crescimento.
E ainda: em dez anos, caiu pela metade o número de mães que não se submetem a um exame pré-natal. Os partos feitos em casa passaram de 17,8% para 6,7%.
São dados da pesquisa "Melhoria em Indicadores de Saúde Associados à Pobreza no Brasil dos Anos 90", publicada pelo Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), da Universidade de São Paulo.
Segundo seu coordenador, Carlos Augusto Monteiro, 49, o Nordeste urbano se aproxima cada vez mais dos indicadores do Centro-Sul, enquanto o Nordeste rural ainda registra índices bem mais próximos dos "africanos".
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.
*
Folha - Como entender a convivência de indicadores socioeconômicos ruins com a melhora da saúde infantil?
Carlos Augusto Monteiro - Esse é um aviso de que os modelos que temos para medir a pobreza não são os mais adequados.
Folha - Esses modelos seriam os que associam a concentração de renda à diminuição da qualidade da saúde dos mais pobres?
Monteiro - Existe uma relação mecânica entre saúde e certos indicadores, como renda ou desemprego. Vemos isso quando fazemos um corte transversal: quem tem uma renda maior também tem uma saúde melhor. Mas isso não nos revela quais são os outros fatores que interferem na saúde. Num período maior, o que constatamos é algo mais complicado. Além de renda e desemprego, há outros fatores importantes.
Folha - Poderíamos dizer, por exemplo, que a queda da taxa de fertilidade (número médio de filhos por mulheres) foi mais importante que o Plano Real?
Monteiro - Não podemos ainda isolar o que ocorreu a partir do Real, em meados de 1994. Sabemos que no período 90-95 os indicadores econômicos foram muito medíocres. Mas, ao mesmo tempo, a mortalidade infantil passou a cair mais depressa. Entre 1987 e 1991, ela caía no Brasil 4,9% ao ano. Entre 1992 e 1995, a queda foi de 7,1% ao ano. Há outros indicadores.
Folha - E entre a criança pobre que sobreviveu ao primeiro ano?
Monteiro - O indicador seguinte será o da altura dessa criança. Pouco crescimento é indício de nutrição insuficiente. Entre 1975 e 1989, a queda anual das chamadas formas severas de retardo de crescimento foi de 3,7%. Nos anos seguintes, a queda pulou para 4,8% ao ano. Em 1975, 32,9% das crianças tinham problemas. No ano passado, já eram só 10,4%.
Folha - Qual o peso específico da mortalidade e do crescimento?
Monteiro - Esses dois problemas refletem algo mais amplo, que são as condições gerais de vida, de saúde associada à pobreza. A mortalidade infantil e a desnutrição pegam um leque de situações: alimentação, condições de moradia, saneamento, acesso à assistência à saúde, educação da mãe.
Folha - Segundo sua pesquisa, havia no ano passado 15,6 milhões de crianças com menos de cinco anos. Em 1991 eram 16,4 milhões. Qual a importância disso?
Monteiro - Nos anos 70, foi fundamental para a saúde pública o aumento da renda per capita. Agora, o que prevalece como fator importante é a queda da taxa de fecundidade. O subproduto mais óbvio dessa diminuição de filhos por mulher em idade de procriar é a maior eficiência dos serviços públicos. Há menos crianças para tratar, mais exames pré-natais, mais partos em maternidade.
Folha - Até 1970, cada mulher tinha em média 5,8 filhos.
Monteiro - Era uma taxa muito alta. Na década de 70, ela começou a cair, e em seguida a queda se acelerou. Em 1980 já estava em 4,3 filhos, em 1991, em 2,9 filhos, e no ano passado chegamos a 2,3 filhos. Estamos praticamente no nível da reposição da população. As famílias se tornam mais produtivas (com mais pessoas trabalhando).
Outro fator: aumenta também o período entre o nascimento de um filho e de outro. Quanto maior o intervalo entre dois partos, o risco de desnutrição será menor.
Folha - Voltemos à queda da fertilidade. O que aconteceu? Esterilização em massa, generalização de preservativos?
Monteiro - Há um detalhe inicial importante. A queda da fecundidade começa na década de 70, no Centro-Sul. Entre 1970 e 1980, o número de filhos por mulher caiu de 5 para 3,6. Não havia para a região nenhum programa oficial ou não-governamental que estimulasse essa queda. A verdade é que a mulher passou a planejar o tamanho de sua família.
No Nordeste, paradoxalmente, naquela década a pressão para o controle da natalidade era muito grande, mas a taxa de fertilidade permaneceu elevada. Entre 1970 e 1980, o número de filhos por mulher caiu menos, de 7,5 para 6,1.
Folha - Mas o Nordeste urbano também mudou.
Monteiro - É possível que a esterilização tenha sido praticada nas próprias maternidades -mais utilizadas para o parto- e a pedido das próprias mulheres. Há um dado aqui interessante. No Nordeste urbano, entre os períodos 1981-1986 e 1991-1996, a taxa de fecundidade caiu de 4 para 2,6.
Folha - É um número bem próximo ao registrado no Centro-Sul.
Monteiro - No Centro-Sul as mulheres nas cidades tinham nesse último período 2,3 filhos, e as mulheres no campo, 2,8.
Folha - Em resumo: a divisão não passa mais entre o Centro-Sul e o Nordeste.
Monteiro - Ela passa agora entre o Centro-Sul e o Nordeste urbano, de um lado, e o Nordeste rural, do outro, onde as mulheres ainda têm em média 4,7 filhos.
A queda é mais lenta. Isso se associa a um outro fator, que é a desnutrição (medida pelo crescimento insuficiente da criança). Nos últimos cinco anos, ela caiu no Nordeste urbano em média 6,5% ao ano. Mas no Nordeste rural a queda foi de apenas 2,6% ao ano.
Em termos absolutos, no Nordeste urbano as crianças subnutridas passaram de 23% em 1989 para 13% em 1996. No rural, ainda estamos em patamares africanos: a queda foi de 30,9% para 25,2%.
Folha - São contrastes que coincidem com o maior ou o menor planejamento familiar.
Monteiro - Subestimamos no passado os efeitos que o planejamento familiar teria sobre os indicadores de saúde. Estávamos mais preocupados em resistir ao controle da natalidade quando ele partia de alguma ONG estrangeira.
Folha - Dá para ponderar cada um dos fatores no resultado final?
Monteiro - Em resumo, constatamos que a desnutrição infantil caiu em média 4,8% ao ano entre 1986 e 1996. O acesso aos cuidados para a saúde foi o fator mais importante, seguido da educação materna, da água encanada e do risco reprodutivo, que é mais baixo quanto maior for o espaçamento entre dois partos.

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