São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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A MISSÃO DO BNDES

Neste ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já emprestou cerca de R$ 15 bilhões -60% mais que os financiamentos liberados em 96. A instituição tem pelo menos duas vezes mais recursos que os ministérios para destinar a investimentos.
No atual contexto de crédito cada vez mais caro e escasso, mesmo no exterior, o papel do BNDES como "amortecedor" da recessão torna-se, portanto, ainda mais decisivo.
Mas, infelizmente, como ocorre com quase todas as instituições importantes do país, o BNDES opera sob uma sombra tecnocrática.
Não sendo ministério, seu monumental orçamento é um mundo à parte não apenas do Executivo, mas -o que é ainda mais relevante- do próprio Legislativo, que aprova os números do banco sem entrar no mérito de suas destinações. Na prática, o BNDES é o mais importante e um dos mais discricionários instrumentos da política econômica.
A reduzida transparência com que opera esse megabanco estatal torna-se ainda mais problemática num momento de crise financeira global. Na semana passada, por exemplo, surgiu a hipótese de uma moratória coreana depois que o Banco Coreano de Desenvolvimento (KDB), o BNDES local, viu-se diante de uma nova onda de desconfiança.
O fato é relevante, pois muitos analistas ainda afirmam que a crise financeira asiática seria um problema surgido sobretudo no âmbito do sistema financeiro privado. As dificuldades do KDB mostram o contrário.
No Brasil também é comum essa observação: ao contrário dos anos 80, quando a crise da dívida seria decorrência do endividamento das empresas estatais, o novo ciclo dos anos 90 seria menos temerário, porque assumido pelo setor privado.
Mas, depois do que se viu em bancos do porte do Banco do Brasil e do Banespa, que garantias há de racionalidade, sustentabilidade ou mesmo legitimidade nos programas de crédito e demais operações que o BNDES continuamente anuncia?
O megabanco estatal é hoje um dos principais instrumentos da política econômica. E suas virtudes como bálsamo anti-recessivo, num contexto de arrocho fiscal e creditício, podem ser decisivas para a sobrevivência de empresas e de governos estaduais. Quais os critérios de atuação desse que é um dos maiores bancos públicos do mundo?
Um exemplo bastante polêmico é o do seu papel na privatização. O BNDES tornou-se o principal agente do programa brasileiro, atuando desde o momento em que antecipa recursos para governos estaduais até os instantes decisivos em que ocorrem os próprios leilões de privatização, financiando as empresas que se habilitam a comprar estatais.
Cabe entretanto perguntar que tipo de privatização é essa em que o setor privado compra uma estatal com amplo e favorecido financiamento do maior banco estatal. Como reconheceu há poucos dias uma das maiores especialistas no assunto e ex-diretora de privatização do BNDES, Elena Landau, a venda de estatais com elevados ágios, mesmo depois da crise asiática, contou com uma ajuda no mínimo discutível da instituição.
A própria Landau admite o fato de que o banco dá apoio financeiro até mesmo para grandes empresas que, por si mesmas, teriam condições de captar os recursos porventura necessários para concorrerem nos leilões.
Há outras dúvidas. Do apoio à produção nacional de componentes eletrônicos à atuação subsidiária na privatização das telecomunicações, passando pela oferta de recursos para as empresas recomprarem ações nas Bolsas, o BNDES parece ter orçamento para tudo. Há uma política industrial consistente que justifique essas ações? Há interferência em negócios e processos que a rigor poderiam ser assumidos por instituições privadas? Há utilização política do "apoio" a operações de privatização? Há também nessa área "apostas" que possam afinal se revelar voluntaristas demais?
Os otimistas sublinham o papel estruturador, revigorante e de defesa da economia nacional do BNDES. O passado e, agora, a crise asiática recomendam muita cautela diante de tão vasta e poderosa atuação.

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