São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Aborto de garota de 11 anos é autorizado

FERNANDA DA ESCÓSSIA
ENVIADA ESPECIAL A SAPUCAIA (RJ)

O juiz da comarca de Sapucaia (a 210 km do Rio), Luiz Olímpio Mangabeira Cardoso, autorizou ontem a realização de um aborto em M., 11, grávida de quatro meses. A garota afirma ter sido estuprada, e a família foi ao juiz pedir permissão para submetê-la ao aborto.
Numa ambulância solicitada pelo juiz, M. foi transferida para a maternidade Fernando Magalhães, no Rio de Janeiro, e internada ontem à tarde.
O juiz Cardoso disse que, para tomar a decisão, se baseou na solicitação da família, no Código Penal, que permite o aborto em caso de estupro, e nas informações da ginecologista Ana Lúcia dos Santos, que atendeu a garota. Ele e a médica se reuniram ontem de manhã cedo.
"A médica me disse que, tanto em caso de aborto como de gravidez, não havia risco de vida aparente para a menina. Disse que o aborto poderia trazer as complicações que qualquer cirurgia traz, afinal, é sempre uma pequena operação", disse o juiz.
Decisão
Cardoso marcara o anúncio de sua decisão para hoje. Resolveu se antecipar, porém, para evitar pressões sobre a família, já que o caso começava a ficar conhecido na cidade.
Ontem de manhã, mandou que um funcionário fosse buscar M. e os pais em casa. Conversou com o pai de M., o agricultor V.O., 38, e perguntou se ele ainda queria fazer o aborto. Como a resposta foi afirmativa, deu a autorização.
"É preciso deixar bem claro que eu não determinei o aborto, apenas autorizei. A lei é clara, em caso de estupro, o aborto é permitido", afirmou o juiz.
Cardoso se recusou a exibir o laudo elaborado pela ginecologista porque, como o caso envolve uma menor de idade, os detalhes do processo têm que ficar em segredo.
Até anteontem, os pais da garota, agricultores que não sabem ler nem escrever, estavam confusos. Queriam o aborto, mas, pressionados por parentes, pensavam também em permitir a gravidez e criar a criança.
Ontem, quando souberam da decisão do juiz, pareciam perplexos, ainda que eles mesmos tivessem solicitado a permissão para o aborto. "Se o juiz deu a autorização, e não há risco de vida para a nossa filha, então é melhor que a gente faça o aborto", disse V.O.
O advogado Anderson Bárcia Zanon, que acompanhou a família, ouviu a conversa entre o juiz e o pai de M. Disse que o agricultor confirmou que desejava submeter a filha ao aborto.
Padre
O padre de Sapucaia, Luiz Fraga Magalhães, não estava na cidade ontem. No domingo à noite, antes mesmo que a decisão do juiz saísse, ele disse que procuraria a família e recomendaria a manutenção da gravidez, mas não teve tempo.
Na cidade, muitos moradores preferiram não comentar a decisão do juiz. O evangélico Geraldo da Fonseca Júnior, 18, disse que não concordava com o aborto porque, para ele, a interrupção da gravidez equivale a um homicídio.
O locutor Pedro Américo Fernandes disse que, se era para salvar a vida de M., concordava com a realização do aborto. "É uma situação dificílima", afirmou.

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