São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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"Contos Novos" traz nove narrativas

ROGÉRIO HAFEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Contos Novos" reúne nove pequenas narrativas compostas por Mário de Andrade ao longo da vida e só publicadas postumamente.
A mais antiga teve a composição iniciada em 1924; a maior parte, porém, foi concebida e finalizada nos últimos dez anos do escritor, morto em 1945.
Ao contrário do que se poderia esperar, os contos têm pouca influência estilística da literatura da segunda geração modernista, a mais refletida e amadurecida, que se projetou a partir da década de 30. Os "Contos Novos" se ligam ao espírito da primeira fase do Modernismo, à experimentação que é marca da Semana de 22 e de toda a obra de Mário.
Os contos podem ser classificados em dois grandes grupos, conforme o seu foco narrativo. Os de primeira pessoa são quatro e têm como protagonista o próprio narrador, Juca. Eles se caracterizam pela introspecção e pela sondagem psicológica, de inspiração freudiana, que repassa momentos significativos da infância ("Tempo da Camisolinha"), da adolescência ("Frederico Paciência") e da maturidade do protagonista (como em "O Peru de Natal", o conto mais célebre, que trata do confronto de Juca com a imagem e a memória do pai morto e odiado). Neles há um fundo autobiográfico, que é sugerido pelo próprio Mário, que chega a se auto-referir no primeiro desses contos ("Vestida de Preto").
Os contos narrados em terceira pessoa aliam o lirismo e a investigação subjetiva ao engajamento social, bastante claro em "Primeiro de Maio", "O Ladrão" e "O Poço". Nesses casos, a inspiração não é apenas humanitária, mas também marxista, de denúncia da injustiça social e da patética alienação do trabalhador.
Uma exceção neste grupo é "Atrás da Catedral de Ruão", conto que se concentra na linha psicológica e retrata o drama da virgindade de Mademoiselle, uma professora de francês de 43 anos. Mário usou no texto muitos diálogos nesse idioma, que serve convenientemente como um código cifrado, disfarçando muito do pudor do próprio escritor.
Os "Contos Novos" têm sido apreciados por razões diversas, que vão da facilidade de sua leitura, do realismo e da dicção coloquial das narrativas ao interesse ou à simples curiosidade pela biografia e pelos processos de composição de Mário.
O conjunto dos contos é porém muito desigual e não reflete os melhores momentos da narrativa do escritor, que estão em "Belazarte" e "Macunaíma".
Mário afirmou, certa vez, que a psicologia de um homem simples, "do povo", era no fundo mais complexa que a de um personagem de Proust, o grande autor de "Em Busca do Tempo Perdido". Se Mário tinha razão, ou se perdeu seu tempo ao defender nos "Contos Novos" essa estranha tese, eis aí uma questão que talvez valha a pena discutir.

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