São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Bressane apresenta a bossa nova à Bíblia

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Júlio Bressane, o cineasta de "Matou a Família e Foi ao Cinema" e do recente "Miramar", chega ao palco hoje às 20h, com "Vida-Névoa-Nada", exasperado com a precariedade que é própria do teatro.
"De manhã eu vou com a Daniela montar o cenário", relata, referindo-se à cenógrafa Daniela Thomas e angustiado com a estréia sem maior preparação. "Vai ser só no dia da estréia. Com luz, com cenário, tudo, só de manhã. Mas tudo bem", ele se resigna.
É a primeira experiência de Bressane com o teatro, e ele reuniu para tanto uma companhia de primeira grandeza.
O texto em que se baseou é a transcriação do poeta Haroldo de Campos para o "Eclesiastes", do Velho Testamento ("Qohelet/O que Sabe", ed. Perspectiva). A música é de Lívio Tragtemberg. A interpretação, de Bete Coelho. A cenografia é de Daniela Thomas.
E pode ser só uma noite. "Vida-Névoa-Nada", título tirado de um dos versos de Campos na tradução, abre o teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Talvez tenha outras apresentações em janeiro, mas não é certo.
E são apenas 40 minutos, o bastante, porém, para animar o diretor, quando ele começa a descrever o espetáculo -o qual não chega a tratar como teatro, preferindo falar em cabaré, show.
Um show que ninguém deve assistir esperando uma encenação piedosa da Bíblia. Bressane recorre a Machado de Assis para sustentar o encontro central que fez, entre o texto sagrado dos cristãos e judeus e a bossa nova.
"O Machado observou muito bem que o 'Eclesiastes' é um texto para múltiplas interpretações. Um texto permissivo a múltiplas interpretações. Daí esse deslocamento, essa derrapagem para a bossa nova, daquele texto sombrio, daquele livro de sabedoria pessimista, alguns dizem cínica."
As palavras de Salomão cantadas como bossa nova, pela soprano Lucila Tragtemberg, não são a única "derrapagem" que o cineasta fez na história. Ele mal se prende a ela, na realidade.
Usou trechos, passagens. E tomou um personagem, São Jerônimo, o tradutor da Bíblia, para incorporar as oito cenas que criou. "São cenas em que o arquétipo do São Jerônimo transita e se transforma, se desdobra em dois ícones da bossa nova, que são a Nara Leão e o Lennie Dale."
Para fazer a passagem, de São Jerônimo para Nara Leão, ele se escuda num símbolo do próprio santo, o leão. Um leão que São Jerônimo teria encontrado, nas lendas criadas em torno de sua figura, no deserto e que teria alimentado. "Esse leão de alguma maneira vai se transformar na Nara Leão."
Um dos intentos de Bressane, ele não esconde, é divertir. "É uma coisa leve, para entreter. E para ver a Bete dançar." A atriz vai interpretar São Jerônimo, Nara Leão e o bailarino Lennie Dale.

Título: Vida-Névoa-Nada
Autor: transcriação de Haroldo de Campos para o "Eclesiastes", da Bíblia
Diretor: Júlio Bressane
Cenário e figurinos: Daniela Thomas e Marcelo Larrea
Música: Lívio Tragtemberg
Com: Bete Coelho e Patrícia Winceski
Músicos: Lucila Tragtemberg, Fabio Tagliaferri, José Alexandre e Adriano Bosco
Quando: hoje, às 20h
Onde: Teatro do Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 5080-3000)
Quanto: grátis (retirar o ingresso com antecedência na bilheteria)

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