São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quando a tradiçãoé levada a sério

Na família Alves, Natal é coisa séria. Os irmão Fernando José, 65, Rosa, 68, e Maria Luzia, 63, nunca passaram separados as festas de fim-de-ano. Filhos de imigrantes portugueses, esses três paulistanos reunirão na próxima quarta-feira cerca de 50 parentes.
Os primeiros natais, quando os irmãos eram crianças, foram simples. A ceia era de apenas um prato: a famosa bacalhoada portuguesa que a mãe começava a preparar alguns dias antes. "Hoje, são tantos pratos na mesa que a comida dá para muitos dias", compara a hoje dona-de-casa e avó Rosa.
Fernando, engenheiro e atual patriarca da família, ainda lembra emocionado da sensação de encontrar um presente dentro do sapato. "Acreditei em Papai Noel até os 13 anos", conta.
Maria Luzia, hoje tia Ziza, acha que as crianças atualmente perderam muito da fantasia: "Elas ficam adultas logo. E, como ganham muitos presentes, acabam não valorizando tanto quanto nós".
Todos os anos, Fernando se fantasia de Papai Noel. Aparece um pouco antes da meia-noite e entrega os presentes às crianças. Antes, eram filhos e sobrinhos. Agora, são netos e sobrinhos-netos. "Tem sempre um que chora. Quando tinha uns 4 anos, a Beatriz (Maria Beatriz Alves Bettencourt, 33) tinha medo de mim. Não aparecia enquanto o Papai Noel estivesse na sala. Só vinha buscar seu presente depois."
Em um dos anos, Fernando pediu um copo de uísque com gelo, porque não acabava a distribuição de presentes. Uma das crianças percebeu logo: "Mas o Papai Noel bebe uísque?"
De outra feita, o patriarca decidiu descer pela calha da casa. O problema foi, lá embaixo, conseguir se levantar e desdobrar as costas. Teve que ser levado direto para o pronto-socorro, à meia-noite da véspera de Natal.
Para compor a mesa, cada um traz a sua especialidade -sempre a mesma. Quando a primeira mulher de Fernando morreu, o prato que trazia saiu do cardápio da ceia. Ninguém mais o faz.
Desde o ano passado a "obrigação" de presente para todos acabou. "Agora, só as crianças ganham presente de todo mundo", diz a microempresária Ana Maria Alves Andersson, 35, filha mais velha de Fernando.
A dona-de-casa Clea Morais, 44, a segunda mulher de Fernando, diz que começa a fazer as compras dois meses antes. "Neste ano, serão 49 presentes, todos com um selinho especial que o Fernando coloca há muitos anos."
Ana e seu marido Thomas Andersson, 33, serão os anfitriões da festa de 97. "Minha casa parece o pólo Norte de tão vazia. Tirei todos os móveis da sala e estou decorando a árvore, que é enorme para abraçar mais de 150 presentes."
Com o passar dos anos, a família portuguesa se misturou a outras nacionalidades e as comemorações vão se enriquecendo de tradições diferentes ano a ano. A filha mais velha de tia Ziza, Maria Cecília, mora na Alemanha, mas vem todos os natais, nem que seja para um fim-de-semana apenas. Na viagem, não traz roupas nas malas, só presentes e doces para as crianças.
Neste ano, o pai dinamarquês e a mãe sueca de Thomas Andersson, genro de Fernando, estarão na festa dos Alves e um novo prato se incorporará à mesa: o salmão defumado.

Texto Anterior: Família para quem precisa
Próximo Texto: Trainer cinco estrelas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.