São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997 |
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Xarope tropical, o elixir da boçalidade nova
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Ao aceitar participar dessa macumba pré-carnavalesca para turistas e desavisados, Caetano Veloso e Gilberto Gil se mostram à vontade diante da definitiva fossilização do Tropicalismo. Parecem aprovar a esterilização do movimento pela mídia e tratam de tirar proveito da condição de gurus espirituais de uma subcultura de consumo fácil. A "homenagem" foi um exemplo constrangedor de falta de rigor, de critério estético, de honestidade artística, histórica e intelectual. Hegemônico e globalizado, o Tropicalismo foi incorporado à pior música produzida em linha de montagem na Bahia para servir como caça-níquel e atração de programas de auditório. A Globo bem que quis dar um toque escolar e "sério" a seu folclore bananeiro. Misturou o recurso do show de fim de ano -o que coloca Caetano e Gil na companhia de Roberto Carlos- com pitadas de didatismo histórico. Havia fumaças de documentário no "Som Brasil". Foi pior. Esforçando-se para passar a imagem de quem estava sendo casualmente inteligente, Pedro Bial ia "explicando" ao público a importância da Tropicália. Verdadeiro telecurso da contracultura tratada como peça museológica, o texto do apresentador continha delícias do tipo: "Houve um tempo em que os jovens de todo o mundo se uniram em torno de uma bandeira: paz e amor". Ou então: "Ser tropicalista é ser livre para pensar o que quiser e agir como quiser (...) É ser a favor do Brasil verde e amarelo sem fechar a cabeça para o que vem de fora". O tom de professor de cursinho contrastava com o ambiente de felicidade histérica e impositiva das canções que iam sendo enfileiradas como aperitivo do que vem por aí, quando o Carnaval chegar. Daniela Mercury interpretou uma monstruosa versão de "Alegria, Alegria", a Banda Eva -isso mesmo- outra canção qualquer. Foi uma injustiça não ter chamado para a festa o pessoal da Cia. do Pagode, o grupo É o Tchan e outros gigantes da nossa cultura tropical. Conceda-se que Tom Zé, na sua fragilidade de retirante pouco adaptado ao ambiente de néons e outros "novos-riquismos", despontou como a única presença verdadeiramente humana do programa. Entre cafajeste e cafona, alegre, dócil e afirmativo, o programa foi exatamente o contrário do que o Tropicalismo, pelo menos em seus melhores momentos, significou para a cultura brasileira. A Globo "ACMizou" o Tropicalismo, como se o movimento devesse agora funcionar como penduricalho esteticamente progressista de uma coalisão conservadora que vai da política aos costumes e vice-versa. Se o livro de Caetano, "Verdade Tropical", que de resto se lê com muito interesse e proveito, não deixa de parecer também uma imensa e bem arquitetada operação diplomática para acomodar conflitos, o "Som Brasil" tratou de bani-los a golpes de machado. É muito triste ter de dizer isso. Como o programa, essa é uma coluna que não deveria ter existido. Próximo Texto: CARTAS Índice |
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