São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 1997
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O provão ganha sentido

ROBERTO LEAL LOBO

Os resultados do Exame Nacional de Cursos, o provão, começam a surtir efeitos mais que pirotécnicos.
As dúvidas que afligiam boa parte das instituições de ensino superior -e que foram exacerbadas pela imprensa ao classificar, de forma definitiva, faculdades e universidades com base nos resultados daquele exame- vão sendo redimidas a partir das visitas das comissões de especialistas do Ministério da Educação às escolas.
Questionou-se, de início, o papel da classificação dos cursos na forma de um ranking, por definição relativo e comparativo. Se o objetivo era verificar se os profissionais estavam sendo bem formados, mais correto seria um exame de proficiência, que aferisse se o estudante recebia o conteúdo mínimo indispensável à formação profissional.
Toda a questão se esclarece, porém, quando o ranking é colocado como parte de um processo que estabelece a hierarquia de um cronograma de visitas das comissões de especialistas: as instituições com níveis mais baixos são as primeiras a ser avaliadas por elas.
Com a promessa de uma avaliação mais profunda e global a ser efetivada, já se pode descortinar uma política concreta de médio prazo, que orientará tanto as instituições, no sentido de melhorar a qualidade do ensino oferecido, quanto os estudantes, que buscarão suas vagas nos cursos de sua escolha.
A análise do projeto institucional de aperfeiçoamento didático, com a descrição da proposta pedagógica, da qualificação docente e de investimentos de infra-estrutura, servirá como vigoroso estímulo para a reorganização e a melhoria do ensino superior do Brasil.
Por outro lado, e o MEC é o primeiro a saber desse fato, as mudanças na área educacional não ocorrem de um dia para o outro. Elas exigem alguns anos de maturação, para que os resultados quantitativos e qualitativos possam aparecer com clareza.
É fundamental, por isso, que o ministério e o Conselho Nacional de Educação levem em conta os projetos de mudança institucional, acompanhem-nos e, eventualmente, punam as instituições que optarem por não cumprir suas próprias promessas de qualificação.
É claro que esses projetos devem passar por um crivo inicial que analise sua adequação aos critérios de qualidade, aos objetivos e à missão institucional de cada faculdade ou universidade.
Como alerta, seria importante que as comissões de especialistas e o próprio ministério também levassem em conta o poder de transformação de cada curso -ou seja, o valor agregado de conhecimento que o estudante adquire.
É muito difícil classificar hierarquicamente instituições apenas pelo resultado final de uma prova aplicada a seus alunos. Comparam-se estudantes em tempo integral, sustentados por seus responsáveis durante todos os anos de estudo, com os oriundos de família humilde, que fizeram um segundo grau precário e trabalham o dia inteiro para sustentar-se e frequentar um curso noturno. Concordamos que eles devam dominar o conteúdo essencial de sua profissão; mas dificilmente poderão competir em igualdade de condições.
Em muitos estudos sobre avaliação do ensino, o poder de transformação institucional é levado em consideração entre os fatores que definem a qualidade da educação.
Além dele, consideram-se a excelência inquestionável, a eficiência e a eficácia na execução das atividades acadêmicas, a existência de métodos que garantam a conformidade do processo pedagógico -isto é, que controlem a aquisição básica de conteúdo por parte dos estudantes- e, finalmente, o impacto social e regional dos resultados.
Não há maiores segredos. O importante é estimular o aperfeiçoamento contínuo do sistema de ensino superior, avaliá-lo com equilíbrio e defender os consumidores dessa atividade, entendidos aqui como os estudantes que procuram o ensino universitário, os cidadãos que utilizam os serviços dos profissionais de nível superior e a sociedade como um todo. Esta espera que seu investimento nesse setor seja bem administrado e eleve o padrão cultural, científico e tecnológico do país.

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