São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Despedida

MARIO VITOR SANTOS

Esta é a última coluna que escrevo na condição de ombudsman. O segundo período como "representante dos leitores do jornal" permitiu-me acompanhar o desenvolvimento de importantes progressos e ameaças para o jornalismo.
Mais do que nunca antes, o jornalismo propriamente dito ameaça tornar-se uma atividade cercada por outros interesses assumidos pelas empresas jornalísticas. A competição mais acirrada, a ação de preferências econômicas e ideológicas sobre o noticiário, o poder do governo, a pressão avassaladora provocada pela televisão na cultura brasileira e o atraso educacional impõem graves restrições ao nível médio do jornalismo que aqui se pratica.
O terreno árduo da reportagem investigativa, o trabalho isolado de questionamento dos poderes estatais e privados, a missão pública de prestação de serviços informativos à sociedade encontram-se pressionados pelo retorno mais fácil propiciado pelo jornalismo de entretenimento e da adesão à "maioria".
As injunções voltadas à satisfação de interesses comerciais põem o jornalismo na defensiva.
No Brasil de hoje, a mídia apóia o governo. Não apenas nos editoriais e colunas, onde a opinião é livre. Também na divulgação acrítica das ações e, principalmente, das intenções oficiais. Aí o governismo serve-se do jornalismo adesista e preguiçoso.
A diferença entre os diversos veículos está no grau de entusiasmo existente. Influi também a cultura de cada veículo.
No passado também foi assim. Esse governo, porém, tem conseguido manter a adesão da mídia por mais tempo, apesar da crise, do aumento das desigualdades e da previsão de que os problemas vão se agravar.
O mercantilismo exagerado e sem princípios gera questionamentos a respeito da mídia. Discute-se a erotização envolvendo jovens e adolescentes, a invasão de privacidade, a importação pelos jornais de qualidade de um estilo de cobertura jornalismo típico da imprensa sensacionalista.
Como afirma o economista carioca Carlos Eduardo Martins, um dos mais assíduos amigos desta coluna, a mídia gastou boa parte do ano falando de fenômenos que ela própria impôs ao público. Ocupou parcela significativa das atenções com temas como princesa Diana, a ex-sem-terra Débora Rodrigues, Carla Perez, Xuxa, Luciano Szafir.
Alguns desses "fatos" talvez não chegassem ao conhecimento de muitos leitores de jornal. Mas, como diz o economista Martins: "Se você não tomou conhecimento, acaba sendo obrigado a esse contato pela mídia, a Folha inclusive. Há um jogo de espelhos e máscaras. A mídia se realimenta do supérfluo e do vazio".
Muitos desses "fatos" recebem destaques nas primeiras páginas de todos os jornais, inclusive a Folha, em muitas edições em seguida. Viram seriados, o que indica muito a respeito daquilo que o jornal considera relevante recomendar a seus clientes, numa espécie de diálogo implícito: "Mas como? Você ainda não sabe disso?"...
O leitor Martins acha que esse processo vicioso pode gerar um afastamento dos indivíduos, que se perguntam: o que eu tenho a ver com isso? O que isso tem a ver comigo?
O jornal pauta a leitura de milhões de cidadãos. Isso implica enorme responsabilidade ética.
Ética é, porém, matéria de escassa consideração nas redações, premidas pela competição e o "serviço ao mercado". Nas escolas, seu ensino é inexistente. Nos cursos de comunicação, a disciplina é ministrada com legislação de imprensa. Ninguém dá a mínima. Não se ensina ética aos jornalistas brasileiros.
As chamadas técnicas de redação e de reportagem -a espinha dorsal do curso- são inteiramente esvaziadas de qualquer reflexão ética. Essa é a principal razão para o baixo nível médio dos cursos de comunicação, com a qual o governo tem sido conivente até agora. Vamos ver se o provão do meio do ano contempla algum exame de questão ética ligada ao jornalismo.

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