São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Mortos muito vivos

JANIO DE FREITAS

Todo este final de ano à luz de vela, mas não porque cariocas e fluminenses se tenham entregue a requintes românticos, está proporcionando os primeiros testes efetivos a duas inovações introduzidas no país pela política neoliberal -a privatização de serviços (ex) públicos e a eficácia das tais agências criadas pretensamente para fiscalizá-los.
A situação é de escândalo mesmo. Doze horas, 20 horas, dois dias ou três dias consecutivos sem luz, não importando se entre eles esteja a noite do Natal, são a nova normalidade instaurada pela Light e pela Cerj, as duas empresas privatizadas que detêm o monopólio, nas respectivas áreas, do fornecimento de luz e energia a cariocas e fluminenses, à primeira cabendo ainda parte de São Paulo.
Reclamações dos clientes não têm efeito. Como é da praxe em se tratando de monopólios. O que veio a ser o motivo mesmo de criação da Agência Nacional de Energia Elétrica, à maneira da agência destinada às telecomunicações. Dados o caráter escandaloso da situação e a indignação que perpassa todo o Rio e quase todo o interior do Estado, o problema já está mais do que entrado no âmbito de responsabilidade e ação da agência.
Nada. Se as empresas mentem sobre as causas do problema, alegando um consumo excessivo que, no entanto, acompanha o do verão passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica levou três semanas para uma providência: dar 60 dias às empresas para cuidar do problema. Ou seja, até o final do verão. A instância criada, pretensamente, para proteger o consumidor dos (ex) serviços públicos não é mais do que uma nova classe de marajás, afilhados dos cortesãos do Planalto e do Alvorada, com a proteção de vastos mandatos presenteados pelos mesmos governantes que apregoam a demissão dos pequenos funcionários como salvação das finanças públicas.
Serviço público privatizado como monopólio, sem sofrer concorrência, é serviço público extinto como tal. Como são natimortas as supostas agências que os protegeriam. Em caso de dúvida a respeito, é só atentar para o Rio e o Estado do Rio.
Falou e disse
Os paulistas e, em particular, os eleitores do PSDB chocados com os R$ 324 milhões federais concedidos ao prefeito Celso Pitta, apenas 24 horas depois de sua condenação por improbidade, precisam reservar tolerância para o futuro próximo. Ainda faltam R$ 400 milhões do total que Fernando Henrique se comprometeu a conceder ao prefeito, no seu acordo mais recente de aliança com Paulo Maluf.
Pitta ainda rirá melhor dos peessedebistas e dos jornalistas (há mais do que semelhança de som) que o ridicularizaram quando disse esperar R$ 300 milhões federais. E não rirá menos de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que já está contando as notas para os muitos milhões que entregará a Pitta em nome do BNDES, depois das poses com que negou o dinheiro.
E a aliança de Fernando Henrique e Paulo Maluf nem chegou ainda a seus objetivos políticos.
Bom Natal
A decisão natalina dos desembargadores de Pernambuco, concedendo-se a recuperação retroativa do que a URV lhes surrupiou em 94, não foge ao que tem sido mais comum nas instâncias altas do Judiciário, quando se trata da chamada causa própria.
Mas outros tribunais têm feito ao mínimo pudor a concessão de estender o privilégio -não aos reclamantes dos outros poderes nem, Deus os livre, à ralé dos assalariados- aos funcionários do próprio Judiciário, não menos furtados e reivindicantes até por processos mais legítimos. Os desembargadores de Pernambuco não tiveram olhos nem para as secretárias. Nesse caso, bem entendido.
Mas o efeito financeiro da decisão em Pernambuco será insignificante diante do que vem por aí: os pernambucanos abriram o caminho para o que é considerado por muitos e respeitáveis magistrados como um direito certo e geral.

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