São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Internet resgata elo perdido no Holocausto

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

"You have new mail!" A mensagem em inglês piscava na tela do computador, na sala do apartamento de Lidya Barbakow, em Buenos Aires. A argentina, habituada a usar a Internet, não esperava mensagens eletrônicas naquela noite. Nem desconfiava que o recém-chegado e-mail traria revelações sobre a história de sua família, judia, dizimada há mais de 50 anos no Holocausto.
"Querida Lidya. Descobri que você tem um primo, Vladimir, que vive em Nova York. Por meio dele, soube que seu tio Monus (irmão de seu pai) não foi morto pelos nazistas em 1942. Ele foi preso pelas tropas russas de Stálin e mandado à Sibéria. Libertado, ele casou, teve dois filhos e viveu sem que vocês soubessem por mais cerca de 40 anos, em Kiev. Te mando o endereço e telefone do seu novo primo de primeiro grau. O que você acha disso tudo?!! Um beijo, Carol"
Foi dessa forma, trocando correspondência eletrônica com pessoas de outros países -conhecidas através da rede mundial de computadores- que Lidya, 55, desvendou um dos enigmas familiares originados na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Seu pai, já morto, se separou dos irmãos nos anos 30, quando imigrou para Buenos Aires fugindo dos nazistas. Escapou do massacre do Exército alemão que, tentando por em prática os conceitos de "superioridade da raça ariana" do ditador Adolf Hitler, exterminou quase 6 milhões de judeus.
Como Lidya, centenas de sobreviventes do Holocausto -já em idade avançada- e seus descendentes têm visto a Internet como uma das últimas esperanças para encontrar pessoas perdidas.
Cadastro de sobreviventes
Mães procuram filhos. Irmãos procuram irmãs. Órfãos procuram sobrenomes. Organizações baseadas em trabalho voluntário estão fazendo cadastros e cruzando dados de parte dos cerca de 400 mil judeus (dos quais cerca de 450 estão no Brasil), ainda vivos, que escaparam das mãos do genocídio nazista.
É o caso, por exemplo, do JewishGen, que, gratuitamente, faz trabalhos de pesquisa genealógica judaica pela Internet. Há pouco mais de um mês, lançou o Holocaust Global Registry (Registro Global do Holocausto), que serve para desvendar fatos desconhecidos na história das famílias de sobreviventes. E, se possível, reunir pessoas separadas pelo destino traçado pelo nazismo.
Grandes entidades judaicas ligadas ao holocausto -como o museu Yad Vashem, em Jerusalém, ou o novo Holocaust Memorial Museum, em Washington- também estão conectados à rede. Mas ainda não tornaram disponíveis na Internet seus serviços de registro e procura de sobreviventes.
Ao descobrir, por e-mail, em setembro passado, a verdadeira história de seu tio desaparecido, Lidya publicou na Internet uma carta de agradecimento a Carol Skydell, voluntária da JewishGen.
"Por e-mail, mandei para Carol, que vive nos EUA, algumas pistas, como sobrenomes e cidades por onde a família Barbakow passou antes da guerra. À moda antiga, com caneta e papel, ela escreveu aos Barbakow que encontrou na lista telefônica", contou Lidya à Folha, por telefone. Vladimir, que não possui endereço eletrônico, respondeu confirmando o parentesco e contando sua história.
Segunda geração
Lidya pertence à "segunda geração" -termo usado para designar filhos dos judeus que passaram pelo Holocausto. "Não são os sobreviventes que usam a Internet, mas seus filhos e netos, da segunda e terceira gerações", diz Alberto Milgram, brasileiro que atua em projetos educacionais no museu Yad Vashem, em Jerusalém.
Segundo ele, as gerações pós-Holocausto sabem "que estão presenciando os últimos anos de vida das testemunhas de um dos maiores crimes realizado pelo homem contra o homem". E, afirma, cabe a estas gerações, que sabem tirar proveito dos computadores, buscar informação sobre o que passou com sua família no Holocausto.

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