São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Será que a TV piorou em 97?

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR-ADJUNTO DE OPINIÃO

Fim de ano é um inferno. Exaustos, contamos os dias que restam para virar a página do calendário, trocar de agenda, renovar expectativas, promessas e esperanças. (A pieguice dessa observação faz parte do nosso assunto).
Enquanto esperamos que o tempo faça o seu trabalho, são quase inevitáveis aqueles minutos que dedicamos ao que ficou para trás.
Jornais, revistas e TVs também fazem os seus "balanços". Apresentam um monte de retrospectivas, por definição todas muito parecidas, quase sempre muito distantes da vida de cada um. Os fatos que realmente pesam em cada biografia geralmente são anônimos, secretos, não pertencem ao elenco das coisas que viraram "história".
É óbvio que nem tudo se resolve entre quatro paredes, na frente do espelho, numa espécie de existência individual clandestina.
Em maior ou menor grau, a história dos outros, os "grandes eventos", o destino comum também moldam cada vida particular. Suspeito, porém, que essa interferência por assim dizer "externa" seja bem menos decisiva do que habitualmente se imagina. Na maioria dos casos é apenas residual.
Mas a data quase impõe algo que se pareça com um balanço e esse espaço obriga que se fale pelo menos um pouco de televisão. Vá lá: o que aconteceu com essa senhora em 97? Ficou pior do que era? Questão aparentemente fácil de responder para um ano que começou com a bunda de Carla Perez e terminou com a barriga da Xuxa.
Foi também o ano da explosão dos telessorteios -essa esbórnia à luz do dia consentida pelo governo "progressista" de FHC; o ano da morte midiática de Diana; o ano que consagrou uma figura como Ratinho; o ano em que Gugu Liberato abalou a hegemonia global de Faustão.
Como se vê, por onde quer que se analise, em 97 a TV, ou seus momentos mais marcantes, foi antes de mais nada abominável.
Mas será que era melhor antes? Duvido. A TV toda (sempre pensando nos canais abertos) parece ter ficado mais parecida com a cara de Silvio Santos. Mas isso não significa que, vista em conjunto, ela tenha sido um dia muito diferente disso.
Acontece que, em 97, o espaço da briga, a chamada "guerra pela audiência" se deslocou para o andar de baixo, foi buscar a turma da dentadura, do frango e do iogurte. Esse talvez o maior legado de 97 em termos televisivos.
As explicações mais correntes sustentam que isso se deve ao enraizamento da TV por assinatura no país. As grandes redes estariam se adaptando ao gosto médio do povão enquanto os canais fechados estariam investindo em programas menos intoleráveis. Daí a proliferação de documentários pseudoliterários e entrevistas quase inteligentes em canais como a Globo News e o GNT.
Mas a situação não é tão simples. Tudo indica que a turma mais seleta do carro importado, que tem o privilégio de poder pagar para ter na mão um controle remoto com 80 canais à disposição -tudo indica que também esses "descobriram" Ratinho, Gugu, Tiririca e cia. TV paga, por enquanto, ainda é sinônimo de futebol ao vivo.
Se isso fizer algum sentido, a TV a cabo, em vez de "alargar" horizontes e multiplicar possibilidades de entretenimento, teria precipitado uma inclinação geral, independente de classe social, pelo que simplesmente não presta.
O espaço que os jornais dedicam agora aos programas de auditório de domingo é um sintoma disso; a despolitização popularesca do "Jornal Nacional" é outro; a multiplicação de "modernetes", descolados e colunáveis emergentes em novelas um terceiro. Em outras palavras -e para abusar um pouco do jargão-, a TV em 97 exprimiu a popularização da classe média e a massificação das elites. Éramos selvagens e não sabíamos.
O hiato entre Ratinho e Jô Soares diminuiu -o que também é um sinal de que eles não são tão diferentes como o segundo gostaria. Chacrinha afinal estava certo, sua profecia foi realizada. Viva o bacalhau. Talvez seja isso o que o presidente quer dizer quando nos explica como um bom professor que vivemos hoje um "novo humanismo".
*
Um bom revéillon a todos. Ano que vem tem mais.

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