São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997 |
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Galã míope foi o 1º super-herói da NBA
MELCHIADES FILHO
A NBA (National Basketball Association) ainda se chamava BAA (Basketball Association of America) quando implorou pela ajuda do estudante de direito, à época com 23 anos e, pasme, apenas quatro de contato com a bola. A liga profissional completava, em 1948, dois anos de prejuízos. Seus dirigentes precisavam urgentemente de uma atração. Branco, bonitão e, mais importante, com 2,10 m, Mikan foi o eleito. Pouco importavam sua miopia e descoordenação -que jogasse de óculos e parado sob a cesta! O pivô teve impacto imediato, dentro e fora das quadras. Enquanto Cary Grant e Rock Hudson enlouqueciam as fãs em filmes açucarados de Hollywood, Mikan arrastava donas-de-casa para os ginásios em Sheboygan, Waterloo e outras cidadezinhas obscuras do interior dos EUA. Seu tamanho simplificava o jogo. Os colegas passavam a bola para o pivô -fincado sob a cesta, Mikan empurrava seu marcador com o corpo e dava um tapinha singelo na bola para fazer os pontos. Exultante com o sucesso de público, mas preocupada com a falta de competitividade, a NBA tentou várias mudanças de regras. Não teve jeito. Com médias de 23,1 pontos e 13,4 rebotes, Mikan levou o Minneapolis Lakers a cinco títulos em sete anos. Nesta entrevista à Folha via Internet, George Mikan, 72, fala sobre o esporte que ajudou a moldar e sobre a vida no garrafão, a casa que "aluga" hoje para Hakeem Olajuwon e Shaquille O'Neal. * Folha - Você foi o responsável pelas primeiras grandes mudanças nas regras do basquete. Você acha que a evolução do esporte já faz merecer novas alterações hoje? George Mikan - Eu defendo que os times tenham 30 segundos, e não só 24, para arremessar. As táticas de hoje privilegiam o isolamento, o um-contra-um. Os passes e o jogo de conjunto desapareceram. Um pouco mais de tempo permitiria que os jogadores se reagrupassem em quadra, mudassem de idéia ao perceber armadilhas etc. Tudo isso com seis segundos. Folha - Curiosamente, você participou diretamente da gênese do relógio de 24 segundos. Você estava em quadra na derrota dos Lakers para o Fort Wayne Pistons por 19 a 18, em 1950, placar que levou a direção da liga a tomar uma atitude. O que você lembra do jogo? Mikan - Nós tínhamos levado 6.500 torcedores ao ginásio. O jogo começou, e os Pistons não tomavam iniciativa. Congelavam a bola no ataque -não havia limite de posse de bola. No final, ninguém arremessava. Ou batia bola ou passava para um companheiro. Os caras só chutavam na certeza, a gente respondia rápido. Mas, no final, foram dados só 31 arremessos em toda a partida. Foi muito frustrante para nossa equipe. Para mim, o vexame foi ainda maior. Fui eu quem fiz os pontos da vitória dos Pistons -tentei bloquear um arremesso, mas desviei a bola para o lado errado, para a nossa própria cesta. Um absurdo! Folha - O curioso é que a NBA vive um período de escassez de pontos. Parece que a posse de bola, e não a cesta, virou a parte mais valorizada pelos técnicos... Mikan - É uma pena. O torcedor quer mesmo é espetáculo. Folha - Compare o jogo de hoje com o de 50 anos atrás. Mikan - Em geral, os jogadores são mais bem treinados. Tiveram contato com o esporte mais cedo, no primário na escola -ou antes até. Eu, por exemplo, só comecei a praticar basquete na faculdade. Outra diferença é que há uma quantidade maior de bons jogadores. Na minha época, muito perna-de-pau completava o time. A estatura também mudou. Você tem hoje armadores com mais de 2 m com agilidade impressionante. Quando jogava, os atletas dessa posição tinham cerca de 1,80 m. Folha - Como você avalia a importância de pivô no basquete? Mikan - O pivô é a alma, a referência do time, e do adversário. Folha - Mas não foi um pouco frustrante para você ter testemunhado o Chicago Bulls chegar ao título da temporada passada com atletas medíocres nessa posição? Mikan - Essa é uma noção errada. No esquema do triângulo, que os Bulls usam, quem funciona como estopim no lance ofensivo? Quem recebe o primeiro passe? É sempre um sujeito dentro do garrafão. Pode ser Luc Longley (pivô titular). Pode ser Michael Jordan, Scottie Pippen. Vários jogadores atuam como pivô no time. Mas mesmo Longley e Wennington (Bill, reserva) têm funções importantes. O torcedor pode ficar desapontado com a produção ofensiva deles. Como não fazem nem 20 pontos? Porque não precisam! Jordan e Pippen cuidam dos pontos. Longley cuida de usar o corpo no esquema tático. Outros times repetem o estilo. No Utah, Karl Malone (ala-pivô) funciona como pivô. No Seattle, é Detlef Schrempf (ala alemão)... Folha - Como jogador, que parte do jogo satisfazia mais você? O rebote, a cesta, o passe, o toco... Mikan - Nunca fui gracioso em quadra. Para ser sincero, era mesmo atrapalhado. Como te disse, só conheci o basquete adulto. Mas me esforcei bastante para desenvolver um bom golpe. Pulava cordas o tempo inteiro, tentava de tudo. Até que aprendi a dar o arremesso de gancho, meu principal mérito. Folha - Você jogava de óculos -e eles viraram sua marca-registrada. Quantos pares você destruiu em sua carreira? Mikan - Era completamente míope, não enxergava nada. Usava os mesmos óculos usados pelo pessoal que trabalhava nas estradas de ferro. Eram inquebráveis. A única coisa que quebrava era a minha cara! Tenho várias cicatrizes. Tomei vários pontos. Folha - Você ainda vê jogos? Mikan - Vou ao ginásio em Minneapolis (onde está baseado o time do Minnesota Timberwolves) e vejo sempre na TV -os Lakers, porque trabalhei para eles, e os Bulls, que jogam parecido com meu time nos 50. Sou um fã normal. A diferença é que minha glândula pituitária trabalhou a mais e me garantiu um lugar em quadra. Texto Anterior: Projeto olímpico inclui 'importação' de velódromo Próximo Texto: Posição faz revoluções Índice |
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