São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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A aluna que ultrapassou o mestre

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1933, Mary Nicol era apenas uma jovem de 20 anos e irregular escolaridade, que dividia seu tempo entre o trabalho de ilustradora e a paixão pela arqueologia. Naquele ano, ela encontrou Louis Leakey, dez anos mais velho, que já era famoso como paleontologista e trabalhava como pesquisador na Universidade de Cambridge.
Os dois se apaixonaram, o que criou escândalo na época, porque ele era casado e pai de dois filhos. Não obstante, casaram-se e foram viver na África, onde o casal poderia procurar fósseis relativos às origens humanas, objeto principal das investigações de Louis.
Louis deu formação científica à esposa e os dois começaram a trabalhar juntos. Com o tempo, Mary principiou a fazer descobertas de grande repercussão, sempre, porém, à sombra de Louis.
Ele possuía agudo senso de promoção pessoal, criando teorias as mais diversas e arrojadas em torno de cada descoberta. Mary preferia o penoso trabalho de escavar continuamente sob o sol ardente.
Dizia ela que as teorias passam e os dados permanecem. Por isso, empenhava-se em estudar meticulosamente cada fóssil, descrevê-lo, medi-lo e catalogá-lo.
Algumas das grandes descobertas atribuídas ao casal e encabeçadas por Louis foram dela. Assim, por exemplo, o achado de restos do Proconsul africanus, na época tido como antepassado do homem e hoje considerado mais próximo dos antropóides.
Dez anos depois ela encontrou um hominídeo fóssil de 1,75 milhão de anos, que o casal chamou de Zinjanthropus, considerando-o antepassado do Homo.
Loius morreu em 1972, três anos depois da dissolução do casamento. Seis anos depois ela voltou sozinha a uma localidade chamada Laetoli, na Tanzânia, e fez o que considerou a principal descoberta de sua vida: as pegadas de um bípede de postura ereta, provavelmente o Australopithecus afarensis, em cinzas vulcânicas de 3,6 milhões de anos.
Demonstrou assim que, naquela época, já existia o bipedalismo e a postura ereta, sem a coexistência de grande cérebro, considerado então associado ao bipedalismo.
Mary Nicol Leakey aposentou-se do trabalho de campo em 1983, indo morar numa chácara nos arredores de Nairobi, Quênia.
Escreveu uma autobiografia, "Disclosing the Past" e foi chamada de grande dama da arqueologia por Virginia Morell em seu recente livro "Ancestral Passions".
É por muitos considerada a alma do grupo do de Louis Leakey, tendo nos últimos tempos ultrapassado o mestre e marido no conceito de muitos especialistas. Mary morreu em meados de dezembro de 1996.

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