São Paulo, sexta-feira, 7 de fevereiro de 1997
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Qual política industrial?

MAILSON DA NÓBREGA

A política industrial retornou ao palco. Nestes tempos de transformação, virou assunto polêmico. No passado, o apoio à idéia era quase unânime.
Agora, há quem se arrepie diante do tema, como Cláudio Haddad, que segura a carteira para defender seu bolso como contribuinte sempre que ele é mencionado. Do outro lado, existem os que clamam pela volta de uma política industrial ativa.
Relembrando: política industrial era, no passado, o conjunto de medidas do governo -proteção aduaneira, reservas de mercado e incentivos fiscais e creditícios- para aumentar a capacidade produtiva em áreas ditas estratégicas.
Seu foco inicial era a substituição de importações de bens de consumo duráveis. Nos anos 60, virou também instrumento de estímulo às exportações.
Na década de 70, sob o impacto do primeiro choque do petróleo, buscou substituir importações de bens de capital e de insumos básicos.
Nas suas diversas fases, a política industrial gerou benefícios e custos. A ela se deve, em grande parte, a formação de nossa base industrial, diversificada e integrada.
Sem essa base, teria sido mais difícil enfrentar os eventos externos dos anos 80, que culminaram na crise da dívida e na interrupção do fluxo de recursos do exterior.
O lado negativo foi a acomodação da indústria à proteção e ao subsídio, pondo de lado questões como competitividade e preocupação com o consumidor.
A intervenção também favorecia os ganhos de "rent-seeking". Em vez de produzir com um olho na concorrência e outro no consumidor, procurava-se, licitamente ou não, as vantagens proporcionadas pelo Estado.
Esse esquema morreu. O Estado, quebrado, não pode dar os incentivos do passado. A economia, aberta, não aceita o desaforo da ineficiência. O consumidor, mais informado, exige preço e qualidade.
A ojeriza à antiga política não pode significar, todavia, a ausência do Estado.
O desenvolvimento sustentado inexiste sem moeda estável, eficiente mercado financeiro e de capitais e ambiente institucional adequado: legislação antitruste e antidumping, marco regulatório e Justiça eficaz. Tudo isso é função do Estado.
Veja-se o caso dos EUA. Além desses pontos, o Estado tem a ver também com a base educacional e com o estímulo à pesquisa. Agora mesmo, Clinton acaba de anunciar que sua principal prioridade no segundo mandato será a educação.
Em período recente, esse conjunto tem respondido pelo notável desenvolvimento americano em indústrias como a aeronáutica, a de telecomunicações e a microeletrônica.
Outro exemplo da ação moderna do Estado nos EUA é o uso da regulação e da tecnologia de informação para derrubar monopólios naturais em áreas antes impensáveis, como telecomunicações e transporte ferroviário.
No Japão, a intervenção estatal vive agora situação de rendimentos decrescentes e começa a ser questionada, mas foi fundamental para a reconstrução do pós-guerra e para forjar sua invejável base industrial, tecnológica e financeira.
No momento em que se operam profundas transformações estruturais no país, é fundamental ter uma visão estratégica do futuro e desenvolver instrumentos de coordenação que permitam colher os melhores frutos das mudanças em curso.
Não é o retorno ao passado, quando se neutralizava a concorrência para proteger a indústria nascente. Trata-se, agora, de estimular os ganhos de produtividade e a busca incessante da competitividade.
Via BNDES, sem incentivos fiscais ou subsídios, o Estado deve financiar projetos de reorganização e de modernização tecnológica, que requerem prazos, custos e volume de recursos nem sempre disponíveis no mercado.
Cabe ao governo tomar medidas para reduzir nossos custos sistêmicos ("custo Brasil"). Pode, ainda, induzir parcerias e cooperação entre empresas privadas e entre estas e os trabalhadores.
A ação do Estado na economia, mesmo que nessa versão moderna, sempre traz o risco de descambar para a simples concessão de poder à burocracia e para premiar ineficiências. Nem por isso se deve sucumbir ao preconceito contra tal intervenção.
Quanto à denominação, deve-se banir de vez o título "política industrial". A natureza horizontal do novo modo de intervir beneficia todos os setores. Melhor será chamá-la, como diz José Roberto Mendonça de Barros, de "política de competitividade".

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