São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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As alianças do mal

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

"Eu e o Inocêncio formamos a aliança do mal. Nada fica na frente." Ministro Sérgio Motta* A situação política criada para o país após a aprovação da emenda da reeleição mereceria uma análise mais apurada, que não cabe neste espaço, mas os episódios fartamente comentados na grande imprensa demonstram uma escalada autoritária.
A citação que encabeça este artigo representa o ponto alto da manifestação dessa tendência só superada por Luis Eduardo Magalhães celebrando a dupla vitória, sua e de seu pai, com a seguinte frase registrada por esta Folha (06/02/97): "Não sou monarquista. Mas uma oligarquia de vez em quando faz bem."
A "aliança do mal" que saiu eufórica das votações realizadas no Congresso Nacional no período de Convocação Extraordinária tem duas caras. Uma é a cara política, cujo ritos grotescos foram sintetizados por Elio Gaspari ("O Globo" de 29/01/97): "Esse pequeno teatro pode dar a impressão de que os políticos são fisiológicos e a Câmara é um balcão de negócios. No caso da reeleição, esse tom foi dado pela regência do Planalto. A isenção foi mandada às favas, o zelo pelo debate dos princípios foi mandado à geladeira. Foi o Planalto quem determinou o grau de primitivismo e de fisiologia da cena (...) Cada maioria tem o líder que lhe cabe."
A outra cara da aliança é a dos interesses econômicos dos especuladores nacionais e internacionais expressa numa política sistemática de endividamento interno e externo do país e de liquidação do patrimônio público. A manchete do "Jornal do Brasil" de 06.02.97, no "day after" da dança de quadrilha das votações no Congresso Nacional, não deixa dúvidas a respeito do pragmatismo como se enfrenta o preço da aliança: "Dinheiro da privatização pagará obras", dizia a reportagem do matutino carioca anunciando o vencedor da briga de braço entre o trator "Serjão" e o circunspecto ministro da Fazenda.
Ambas as caras da malfadada aliança representam um processo de desmobilização no plano institucional e jurídico e uma destruição acelerada da base produtiva que atinge milhares de empresas nacionais e milhões de desempregados, "a voz rouca das ruas" que os senhores oligarcas de plantão insistem em não escutar.
No próximo ano e meio, até as próximas eleições, ou reeleições, o país atravessará uma trajetória político-econômica de grandes incertezas carregada de maus augúrios. Senão vejamos: no plano político a "aliança do mal" irá se deparar com a reforma administrativa, previdenciária, tributária (?), regulamentação da quebra dos monopólios públicos dos setores estratégicos e uma possível "reforma política".
O cenário não é muito favorável, já que a maioria governista ganhou o jogo da Câmara raspando a trave. Às contradições da aliança partidária excessivamente ampla e fraturada agreguem-se os problemas de disputa regional expressos na política dos governadores. A situação financeira dos Estados é crítica, neles incluídos os grandes Estados da aliança governista, o que tornará mais confuso o manejo político depois de aprovada a reeleição para governadores e para prefeitos.
No plano econômico, submergido durante um mês pelo carnaval político, a situação só fez agravar-se. Os efeitos da política cambial e de juros sobre o déficit do balanço de pagamentos e a componente financeira do déficit fiscal não oferecem mais dúvidas a um observador atento.
A entrevista da economista Eliana Cardoso, ex-consultora do ministro da Fazenda, numa pesquisa que realizou para o FMI, revela as fragilidades da política de estabilização do governo FHC. Na verdade a pesquisadora não faz senão reafirmar o que todos "os economistas de oposição" vem martelando desde março de 95, a saber que o plano de estabilização, tal como vem sendo gestado desde a sua origem, não é sustentável.
O déficit comercial crescente ganhou novo destaque com o escamoteamento dos dados de janeiro. Para um déficit global de US$ 5,5 bilhões em 1996, o déficit comercial da indústria supera US$ 8 bilhões, com uma contribuição ímpar dos complexos metal-mecânico e eletroeletrônico, cuja diferença entre importações e exportações supera US$ 11 bilhões.
O agroexportador não conseguiu fechar a brecha comercial, uma vez que o seu "superávit" foi de apenas US$ 10,5 bilhões. Ao que tudo indica, estamos caminhando rapidamente para uma economia "primário-importadora" em que o atraso político é reforçado por uma marcha batida para o atraso econômico.
O déficit de transações correntes de 1996 bateu um recorde histórico, atingindo um pouco mais de US$ 24 bilhões, já descontadas as receitas dos emigrantes brasileiros que ajudam a povoar as periferias urbanas do mundo desenvolvido.
O serviço da dívida externa velha acavala-se de forma perversa com o do novo endividamento. Entre juros e amortizações teremos de financiar em 1997 cerca de US$ 35 bilhões. A concentração de capital nas mãos dos agentes privados multinacionais que são capazes de alavancar recursos em dólares é crescente e representa -além de um forte processo de desnacionalização e destruição das cadeias produtivas construídas a duras penas- uma ameaça também crescente sobre a política cambial futura.
No palco econômico, a "aliança do mal" envolveu-se pois em maiores contradições que as existentes no plano político. O aparente apoio das classes produtoras é difícil de manter até as próximas eleições, já que as condições de subordinação dos perdedores (milhares de empresas de todos os tamanhos) são mais disruptivas do que as das oligarquias locais e a tratorização das oposições político-partidárias.
Não por acaso, na área econômica a "descoordenação" da equipe no poder é bem maior, embora menos aparente porque os participantes são mais discretos. Os sustos recorrentes da balança comercial estão minando a credibilidade na política cambial. Os escândalos que envolvem o Banco Central por conta dos precatórios e do infindável socorro a bancos falidos estão desmoralizando crescentemente a credibilidade das autoridades monetárias da República.
Nesta conjuntura econômica de grande incerteza, parece estar-se gestando uma nova "aliança do mal" que tem por base os negócios das privatizações e como âncora aparente, uma vez mais, o ministro das Comunicações, que parece forte candidato a "primeiro-ministro" dos negócios internos do Império.
Pelo andar da carruagem, se o atual presidente da República superar todos os "obstáculos" à sua reeleição em 1998, reinaugurará a figura do "Príncipe Regente" ou, na linguagem da nova modernidade, tornar-se-á um mero "Presidente virtual" de um subcontinente à deriva.
Às enfraquecidas forças populares caberá uma luta de resistência e de reconstrução em todas as brechas de um espaço econômico e social dilacerado. O governo FHC não tem uma agenda para o Brasil, mas para uma fração da elite cosmopolita que tenta ordenar o seu pequeno mundo com dogmas precários que estão levando à ruína os próprios gestores da "nova ordem financeira mundial".
No próximo ano e meio a realidade destruidora dos "globalistas" ficará cada vez mais evidente, assim como crescerá a consciência de nosso povo de que o seu governo livremente eleito se tornou um "governo de ocupação" que é preciso derrotar construindo de baixo para cima uma nova Nação.
(*) Ao falar sobre a estratégia de "rolo compressor" adotada para aprovar a emenda da reeleição e eleger Michel Temer presidente da Câmara

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