São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997![]() |
![]() |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
FHC é o comandante que a elite esperava, diz Oliveira
ANA MARIA MANDIM
Na opinião de Oliveira, filiado ao PT, ex-amigo dileto de FHC e hoje seu crítico feroz, Fernando Henrique é o "condottiere" (comandante) que as elites brasileiras esperaram desde o presidente Getúlio Vargas. A habilidade de FHC, diz Oliveira, permitiu que ele reunisse grupos dominantes antes divididos. * Folha - Por que a reeleição surge no atual quadro político? Francisco de Oliveira - A reeleição é parte da estratégia política de um grupo que tem pretensões hegemônicas. O projeto desse grupo, liderado por FHC, é manter-se por muito tempo no poder, como deu sinal, desajeitadamente, o ministro Sérgio Motta -que diz o que o presidente não pode dizer- ao falar de 20 anos no poder. Folha - Que grupo é esse? Oliveira - Do ponto de vista político não é expressivo. O único realmente expressivo é Fernando Henrique. Ele articulou os grupos políticos dominantes no Brasil que não se combinavam: PFL, PMDB quase inteiro, PSDB, PPB, uma boa parcela do PTB. Desde a Revolução de 30 não surgia um grupo hegemônico. Ao longo desses anos, extremamente violentos, os conflitos significaram a impossibilidade de hegemonia de um grupo que soldasse as diferenças sociais e as traduzisse politicamente. Folha - Fernando Collor já não foi um sinal de novos tempos? Oliveira - Collor foi o primeiro sintoma de um novo momento, um cheiro de possibilidade de hegemonia. Mas ele era muito mal preparado, um outsider, vinha de um Estado fraco. FHC é a consequência imediata de Collor, é de qualidade diferente. Os grupos dominantes são um conjunto diversificado, que precisa ser articulado: burguesia industrial, financeira, rural, setores da classe média, empresas multinacionais e ambiente internacional. Folha - FHC é o intérprete dos grupos dominantes? Oliveira - É, embora politicamente o PSDB seja fraco. Mas FHC mostrou capacidade de fazer a tradução do social para o plano político. Por isso tem todo esse apoio. Houve uma enorme expansão do poder de classe, que não encontrava tradução política devido a fraturas regionais e entre as classes. Daí a grande dificuldade do PFL em São Paulo. O PFL, partido que sempre serviu a todos os governos, tem expressão muito fraca no Estado mais rico. Como fazer, então, a tradução do social para o político, se faltava a peça-chave? Folha - FHC é essa peça? Oliveira - Sim. A novidade de Fernando Henrique é sua capacidade de aglutinar. Ele faz algo que nem todo político pode fazer. Folha - A profecia de 20 anos no poder se cumprirá? Oliveira - Infelizmente, acho que sim. Existem as condições sociais, e Fernando Henrique está conseguindo a tradução disso para a política. Existe uma base real, as pessoas hoje são desinibidamente capitalistas. Antes, tinham vergonha de dizer que eram capitalistas. Hoje, cada um de nós, mesmo sem ser empresário, ostenta, gasta. A miséria, que continua a ser o problema mais grave do país, deixou de ser um desafio para a sociedade. Folha - Se a estabilização redistribuiu renda, como diz o governo, por que o senhor discorda dela? Oliveira - Não houve redistribuição de renda alguma. Isso é propaganda do Plano Real. O que houve foi que o imposto inflacionário deixou de existir. Folha - O grupo hegemônico representa algo novo? Oliveira - Sim, o grupo de FHC soube capitalizar muito bem a burguesia de São Paulo, que é de uma inépcia política extraordinária. Eles se colocaram no lugar dela, realizaram o sonho do PCB. A famosa vanguarda sobre a qual o PCB tanto teorizou são eles. Folha - O PFL impede FHC de realizar seu projeto? Oliveira - De jeito nenhum. Antonio Carlos Magalhães é que é prisioneiro do FHC. ACM sem Fernando Henrique não é nada, sabe que jamais poderá aspirar a ser presidente. O que FHC fez foi juntar São Paulo e as oligarquias. Folha - Há possibilidades eleitorais para propostas alternativas? Oliveira - No momento, muito remotas para um desafio global no sentido de postular a Presidência. Não que não se deva tentar, é tentando que se constrói, e a história é aberta, felizmente nos prepara surpresas todos os dias. O projeto hegemônico pode ser desafiado em terrenos circunscritos, derrotado em eleições para prefeituras e até Estados. O grupo que ganha trata de destruir os recursos políticos do outro. É o que Fernando Henrique está fazendo. Ele vai salgar a terra para que nenhum grupo alternativo tenha chance tão cedo. Folha - Como? Oliveira - Por meio das reformas constitucionais, da flexibilização do contrato de trabalho, da desregulamentação, da mudança na Previdência, tirando o chão social das entidades que um dia desafiaram as elites. Nenhum grupo está aí para contemplar o outro crescer. As forças alternativas têm de lutar em todos os foros e tentar traduzir isso para o campo político. Como a âncora da credibilidade do projeto hegemônico é a estabilidade monetária, será muito difícil lutar contra ela por causa da dura pedagogia da inflação: a subjetividade popular foi castigada por 30 anos de inflação. Folha - Existe alguém hoje que expresse tão bem esse projeto hegemônico quanto FHC? Oliveira - No momento, não. Demora muito para uma classe ou conjunto de classes criar uma liderança desse porte. Não essencialmente pelas qualidades de FHC, mas porque um longo processo foi forjado e FHC saltou à cabeça dele no momento certo. Além disso, ele faz o trabalho cotidiano da aranha, tecendo articulações e destruindo outras. Não é à toa que a presidência do Senado é do PFL, e a da Câmara, do PMDB. Isso ajuda porque demarca terrenos, corta ambições, circunscreve capacidades. É um método político de mestre. Folha - Como o grupo de FHC assumiu a hegemonia? Oliveira - Existe dominação e hegemonia. Pode-se dominar politicamente, economicamente, mas só há hegemonia quando você faz o dominado pensar como você. Tivemos, no Brasil, 30 anos de transformação que significaram dominação, mas não hegemonia, porque os grupos dominantes estavam divididos. FHC os juntou. Com a estabilização surge a possibilidade de hegemonia: o povão começa a pensar como o mais rico. Isso ocorre raramente, e por isso a estabilidade é ferozmente perseguida. O grupo hegemônico pagará qualquer preço para mantê-la. Folha - Maluf poderia ser o intérprete desse grupo? Oliveira - Maluf ainda não tem a capacidade de articulação necessária. 'Ele não é trouxa e já percebeu a força do grupo hegemônico. Pode escrever: ele não se candidatará à Presidência. Receberá avisos para não se meter, não terá dinheiro para a campanha. Os grupos mandantes esperaram desde Vargas pelo surgimento de um "condottiere" como Fernando Henrique. Vargas não era amado pela burguesia; Fernando Henrique, é. Texto Anterior: A felicidade dura pouco Próximo Texto: Montoro vê reducionismo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |