São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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Futebol x futebol americano

JOAQUIM A. RIBEIRO DO VALLE JR.

Dando asas à imaginação, comecei a pensar como seria difícil para a melhor das seleções de nosso futebol tetracampeão enfrentar qualquer time, por mais medíocre que seja, de futebol americano.
Afinal, as regras de lá permitem usar as mãos e distribuir pancadas "a torto e a direito". E, para marcar um gol -o famoso "touchdown"-, basta passar a linha de fundo com a bola na mão e "partir para o abraço".
Mas, em termos de negócios, é exatamente isso que estão fazendo com nosso país! Sob a bandeira da globalização e da necessidade de nos adequarmos à realidade mundial, rapidamente estão nos obrigando a competir usando regras totalmente diferentes. Estão, também, nos impedindo de utilizar as mesmas armas.
Evidentemente, não sou contra a globalização. Sei também que não vamos chegar a lugar nenhum com reservas de mercado e proteções absurdas, que as margens de lucro sempre foram exageradas, graças, principalmente, à falta de concorrência etc. etc....
Mas também é certo que não poderemos competir com os demais países nas condições em que o mercado se encontra hoje. E, a continuar como está, em curtíssimo prazo nosso parque industrial e agrícola estará reduzido a pó, tal qual estaria a nossa gloriosa seleção no confronto desigual.
O elenco de diferenças é enorme e mais do que conhecido, mas nunca é demais repetir algumas das mais importantes. A questão do câmbio, por exemplo, vem sendo tratada com argumentos de candidato e não com a seriedade que merece.
Sem dúvida, qualquer aumento que haja nas taxas será repassado aos preços, como disse recentemente o presidente.
Isso, entretanto, deveria também ser lembrado quando se gastam milhões em acordos para aprovações de projetos, ou quando se gasta mais do que se arrecada e em tantas outras oportunidades.
Então, a pretexto de segurar a inflação, trata-se o câmbio artificialmente. Resultado? Perda de competitividade para exportar e, ao mesmo tempo, concorrer com os importados no mercado interno.
Já foram perdidos 400 mil empregos na agricultura em função de os preços estarem 25% abaixo do custo de produção, segundo o ex-ministro Delfim Netto. Com certeza, em vários setores da indústria os números são iguais ou piores. Mantendo-se esse tipo de "defesa" do trabalhador, em pouco tempo não existirão mais trabalhadores a ser defendidos.
Outra questão que inviabiliza a concorrência com os produtos importados são os juros. Com taxas mensais superiores às anuais de outros países, é impossível ser competitivo. E por que não se acaba com esse absurdo? Porque, com juros decentes, haverá a adequação dos preços à realidade e, assim, um incremento no consumo.
É claro que isso pode gerar uma taxa de inflação maior, o que, no momento, não interessa aos nossos mandatários. Não se pode esquecer também que os bancos, no Brasil, para não fechar, necessitam de altas taxas de juros.
E a carga fiscal? Contrariamente ao que havia prometido quando ministro, o sr. presidente continua com a mesma política de criar e alimentar os impostos já existentes. Mas não estaria se esquecendo de que aumentar impostos também gera inflação?
Finalmente, é indispensável lembrar que a falta de infra-estrutura básica, como educação, saúde, segurança, transporte e outras mais, também incrementa o "custo Brasil" e inviabiliza qualquer tipo de competição.
Com tudo isso, como acreditar em promessas e programas, como o último proposto para incremento de exportações? Na realidade, são apenas paliativos, que pouco poderão fazer pela nossa competitividade e muito menos nos transformar num país exportador.
E assim vai ficando cada vez mais forte a sensação de que a metáfora usada no início deste artigo não é só fruto da imaginação, mas uma realidade massacrante a cada dia, principalmente porque os que trabalham, lutam e produzem estão sendo tachados de incompetentes porque não conseguem sobreviver diante de um jogo que usa regras tão diferentes e que mudam frequentemente durante a partida.

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