São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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'Pra Dar um Fim no Juízo de Deus' faz afirmação da carne diante d'Ele

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É fácil ajuizar por que José Celso Martinez Corrêa diz ser "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", montagem da peça radiofônica de Artaud, a sua melhor direção. O espetáculo, apresentado na Casa das Rosas, no sábado de Carnaval, é a encenação levada à sua essência física, sem máscara. Sem cenário, quase sem figurino.
Ainda assim e com um texto que pouco tem de compreensível, re sulta transparente, com palavras e uma alegoria que ecoam na memória dos mais resistentes. Quando baixa a guarda, mesmo depois da apresentação, descobre-se que a afirmação da carne diante do incorpóreo, do homem diante de Deus, feita abusivamente na montagem, nada tem de gratuita, ou gratuitamente chocante.
Não faltam motivos para choque. Um ator, como dizer, defeca em cena. Outro se masturba, até o fim. Outro tira seu sangue em seringa, que é por sua vez jorrado sobre uma ferradura.
É a afirmação da carne -de um ritual de índios mexicanos, de "descrucificação", contra a cruz do conquistador espanhol. Artaud revolta-se contra Cristo, o próprio, que, diante de Deus, abdicou de seu corpo.
Na montagem, é quando está mais presente a interpretação sarcástica, carnavalesca de Marcelo Drummond. É quem anuncia, às gargalhadas, "Deus é merda". Por sua vez, o excelente Pascoal da Conceição, o mais corajoso dos atores realistas, surge, não sem algum sarcasmo, mas certamente vivendo um personagem, para provar que Deus e o homem são, precisamente, "merda".
No fim, Zé Celso, com uma atuação doce, carinhosa que só os mais rancorosos podem julgar ofensiva, anuncia que, agora que a matéria está vencendo e todos estão em favor do homem, é hora de virar o homem do avesso. Emascular o homem.
Uma alegoria para a existência humana, mas sobretudo uma alegoria para o teatro, que não surge mais como vida, mas uma vida ao avesso, e maior.
A imagem é única, excepcional, de fim da dicotomia. Do original: "Aí vocês vão lhe reensinar a dançar pelo avesso/ como no delírio das danças de rua/ e esse avesso será seu verdadeiro direito". O grupo Oficina, deixando para trás a Casa das Rosas, levou o público, que lotou a apresentação, em danças pela avenida Paulista.
(Quanto às inovações cênicas, a maior foi recurso ao vídeo, que deixa conhecer detalhes, ângulos diversos. Por outro lado, fez inesperada analogia com o Carnaval, naquele instante na tela da Globo. Confirmou que ao vivo o prazer é sempre maior e menos seguro.)

Quando: Hoje, as 21h
Onde: Casa das Rosas (av. Paulista, 37, tel. 288-9447)
Quanto: R$ 10,00

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