São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997 |
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Diplomacia ao molho pardo
JOSIAS DE SOUZA São Paulo - A fome é a mais sólida evidência de que a humanidade não vale o que come. Dois mundos convivem sob o mesmo sol.Num, há fartura e estômagos pela tampa. O homem planeja ir a Marte. O sucesso sobe-lhe à cabeça. Noutro, há só escassez e barrigas exangues. O homem viaja às profundezas do sofrimento. O fracasso desce-lhe às tripas. Em meio a esse cenário de contradições, Itamaraty e Congresso planejam doar 50 mil toneladas de alimentos para Cuba e três países da África. É uma erupção de solidariedade do Brasil que come. Exausto da própria fartura, o país quer dar de comer à Namíbia, Angola e Moçambique, quer saciar Cuba. Tudo estaria bem, não fosse por um detalhe: está-se esquecendo da África que mora no Brasil faminto -um país que dorme esquecido nos grotões e na periferia de cidades como Rio e São Paulo. O Comunidade Solidária de dona Ruth conta 32 milhões de patrícios esfomeados. Em 97, serão distribuídas no Brasil 450 mil toneladas de comida. O bastante para alimentar 6 milhões de pessoas. Ou apenas 18,7% do total de famintos. Como se vê, Itamaraty e Congresso fazem caridade com a barriga alheia. Excesso de generosidade? Não, não. Absolutamente. O que os move é o interesse. Brasília doará alimentos para que a administração Fernando Henrique faça bonito lá fora. O que se pretende é pavimentar o caminho do Brasil rumo ao Conselho de Segurança da ONU. Recomenda-se aos congressistas que, antes de aprovar a doação, disquem para o SOS Jardim Pantanal. Trata-se de movimento que recolhe comida para os flagelados das últimas cheias em São Paulo. O número é (011) 297-7355. Se ainda assim quiserem alimentar a África, sempre restará uma alternativa ao pessoal de dona Ruth. Diante de um faminto nacional, o pessoal do Comunidade Solidária pode aconselhar: "Coma diplomacia, engula diplomacia". Texto Anterior: CONTRA O DESPERDÍCIO Próximo Texto: O perigo da hegemonia Índice |
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