São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 1997
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O Congresso e a volta à honradez

ALOYSIO BIONDI

O país foi furtado em R$ 3,5 bilhões em uma única operação de privatização executada pelas equipes econômicas do governo Collor e FHC. É esse o significado exato da sentença do juiz Sérgio Ricardo Fernandez, revelada às vésperas do Carnaval, sobre a qual o Congresso Nacional, em particular, e os formadores de opinião, em geral, devem refletir profundamente.
Mais uma vez, a decisão judicial foi noticiada de forma escandalosamente distorcida, encobrindo o crime e os criminosos. Analisada de forma correta, a sentença é revolucionária, porque coloca a nu todas as negociatas que vêm marcando a política de privatização no Brasil.
Ela surge como um alerta, para que senadores e deputados, principalmente aqueles com uma história de serviços prestados ao país, retomem o seu papel de homens públicos e sentimentos de honradez, passando a impedir que o patrimônio coletivo (isto é, de toda a sociedade) continue a ser saqueado.
A política de privatização é uma sucessão de crimes de lesa-pátria, envolvendo dezenas e dezenas de bilhões de reais.
O crime
Ao longo dos últimos anos, as equipes econômicas privatizaram a Petroquisa, uma empresa subsidiária ("filial") da Petrobrás, criada para cuidar do setor petroquímico (matérias-primas, fertilizantes etc.).
A Petroquisa, ela própria, era também gigantesca: tinha 90 empresas "filiais", cada uma voltada para determinado setor ou produto, com investimentos de R$ 5,2 bilhões.
Qual o preço que os "compradores" pagaram pela Petroquisa? Diz esta Folha (edição de 7/2 último): "segundo o juiz, apenas o equivalente a US$ 1.000 em dinheiro, e US$ 941,7 milhões em títulos da dívida pública" (isto é, moedas podres). No total, menos de R$ 1 bilhão. Contra investimentos de R$ 5,2 bilhões.
O protesto
A dona da Petroquisa era a Petrobrás, com 99% do capital, enquanto o 1% restante pertencia a acionistas minoritários.
Foram esses acionistas minoritários que, inconformados com a venda de seu patrimônio a preço de banana, entraram com ação na Justiça, para receber a diferença correspondente à "fatia" de 1% das ações de sua propriedade. O juiz lhes deu razão. Eles vão receber uns R$ 40 milhões (ou pouco mais de 1% daqueles R$ 3,5 bilhões).
A vítima
O noticiário sobre a decisão judicial, na última sexta-feira, foi equivocado, em alguns casos. Em outros, houve má-fé, distorção deliberada, com manchetes nauseantes tipo "Petrobrás deita e rola e enlouquece o governo".
No noticiário, a Petrobrás aparece como a criminosa, condenada a pagar uma multa "bilionária", "a maior de todos os tempos", tudo dentro da campanha para desmoralizar as empresas estatais e forçar a privatização. Na verdade, a Petrobrás é a vítima do crime que foi a privatização da Petroquisa. Os mandantes do crime? As equipes econômicas.
O assalto
Para chegar à verdade, é preciso compreender os mecanismos de aplicação das leis. Primeiro: como visto, a Petrobrás era "dona", ou acionista majoritária, da Petroquisa. Segundo: por isso, conforme a lei, era ela, Petrobrás, a responsável pelas condições de venda, isto é, preços, prazos etc. Terceiro: assim, conforme a lei, a ação judicial dos acionistas minoritários foi contra a Petrobrás, e não contra as equipes econômicas. Conclusão: a sentença judicial condenou a Petrobrás exclusivamente porque ela era o acionista majoritário. Mas a Petrobrás apenas cumpriu ordens da equipe econômica. Como todas as estatais que vêm sendo privatizadas o fazem.
O prejuízo
Por causa dos mesmos mecanismos legais, a sentença do juiz condenou a Petrobrás a indenizar não apenas os acionistas minoritários, mas a toda a Petroquisa, em nada menos de R$ 3,5 bilhões.
Como a Petrobrás era a dona da Petroquisa, "teoricamente" ela vai indenizar a si própria. Assim, o leigo pode ter a impressão de que ninguém perdeu com a história. Não é isso. Na prática, a Petrobrás perdeu R$ 3,5 bilhões -que deveriam ter sido pagos pelos compradores. A Petrobrás tem o Tesouro como sócio majoritário, além de acionistas privados. Todos perderam. O caso Petroquisa coloca a nu as aberrações da política de privatização.

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