São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 1997
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Banalidades passageiras

JANIO DE FREITAS

O tema escolhido pelos bispos para a Campanha da Fraternidade deste ano, se bem que aparente no nome a preocupação só com os encarcerados, na verdade é uma crítica valente com alcance muito maior, ao confrontar as punições violentas aos delinquentes pobres e, no outro extremo, a impunidade dos bandidos que vivem da corrupção, do assalto aos cofres públicos e dos golpes sob atividades ditas empresariais.
A campanha é muito oportuna. Os meios de comunicação há tempos se comportam, tanto diante do problema carcerário como da impunidade endinheirada, com a naturalidade só cabível no trato dos temas muito banais. É crime, sim, é crime mesmo o encarceramento de mais de 300 presos em presídio que, lotado, não comporta uma centena. A reação de revolta dos 300 e tantos, há quatro dias, só tem como responsáveis os próprios presos, e não quem os amontoou em uma pena adicional que a sentença judicial não determinou. Mais uma rebelião em presídio paulista? Mais um registro simplório nos meios de comunicação, que, afinal, esse é um fato já quase diário.
A casa das torneiras de ouro em Miami, dada como propriedade de Fernando Collor e registrada, aparentemente, em nome do cunhado Marcos Coimbra, esta, sim, despertou um interesse com bafos de indignação. Interesse e indignação mais absurdos do que as torneiras de ouro.
Qualquer resumo ou amostra das provas, entre os tantos oferecidos à divulgação pública, da ação coordenada por Paulo César Farias conduz a duas demonstrações inquestionáveis: tratava-se de uma quadrilha e a riqueza recolhida era partilhada por muitos, em proporções equivalentes às respectivas inserções, não só na quadrilha, mas na própria hierarquia do grupo controlador do governo.
Não se pode dizer que a quadrilha tenha sido desbaratada, segundo o jargão do noticiário policial, quando do impeachment. Caiu o governo, mas permaneceram muitas possibilidades de ação, por quem tanto podia comprometer os parceiros privados das negociatas. E se não foi desbaratada, muito menos a quadrilha foi punida, por mínima que fosse a punição. A menos que alguém considere punição o exíguo período em que PC Farias esteve hospedado na Polícia Federal.
E não foi assim por acaso. O direito de usufruir a coleta da rapinagem não está escrito, mas, mais importante do que escrito, está assegurado. Responsabilizar a Justiça por tal norma brasileira é, porém, fruto de desinformação. Em grande parte dos casos, para não dizer que na larga maioria deles, quando os inquéritos policiais se transformam em processos judiciais já os vícios são insanáveis. Por incompetência ou por desleixo ou por má-fé.
E, para não deixar de lado um prato tão farto quanto pouco aproveitado, os meios de comunicação satisfazem-se com o escândalo imediato, superficial, restrito. Persistir no acompanhamento incomodativo dos inquéritos e, depois, dos processos, isso não faz parte do jornalismo, que se satisfaz com a eventual descoberta de umas torneiras de ouro na casa de quem fez dinheiro, não mais importa por que métodos, para tamanhas exibições de idiotice.
Ficou dito, lá no alto, que o tema da Campanha da Fraternidade é muito oportuno. Corrijo: seria oportuno, se a apresentação da campanha não fosse já tratada pelos meios de comunicação como mais um assuntinho banal e passageiro.

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