São Paulo, segunda-feira, 17 de fevereiro de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Araújo quer problemática social na tela
PAULA DIEHL
Mas apesar da temática político-social, o diretor dá um tratamento especial à identidade religiosa de seus personagens -que aparecem em um mundo introspectivo e místico. Araújo se preocupou em resgatar a dignidade do sertanejo, que, segundo ele, "nem sempre é mostrada nos filmes sobre o sertão". José Araújo deu entrevista exclusiva à Folha. * Folha - Você viveu até que idade em Miraíma? José Araújo - Até dez anos, depois disso eu fui viver em Fortaleza. Mas eu sempre mantive contato, meus pais continuam morando lá. Até hoje vou a Miraíma para visitá-los. Folha - Em "O Sertão das Memórias" quase todos os atores são conhecidos ou amigos seus, seus pais fazem os papéis principais. É um filme pessoal. Araújo - É pessoal e não é, eu tento retratar não só o Nordeste, mas o Brasil. Essa é a terceira vez que eu mostro o filme no exterior. Eu já mostrei o filme em Toronto, em Sundance e agora em Berlim. Recebi cartas da Itália, da Palestina, do Irã, onde há pessoas interessadas no filme. Ou seja, muita gente do mundo se identifica com esse tipo de realidade. É uma coisa meio universal do homem: a ligação com a terra, a ligação com a espiritualidade, como as pessoas se localizam num mundo que está mudando. Folha - Seus pais viram o filme? Araújo - Eles viram partes do filme e entendem que existe um motivo maior de resgate, de mostrar para o mundo uma coisa importante. Tanto que todo o povo da cidade participou do filme. Folha - E eles se reconhecem no filme? Araújo - Claro. Eles se reconhecem porque, de qualquer maneira, os arquétipos são esses. Qualquer nordestino, qualquer sertanejo se reconhece. Folha - Em "O Sertão das Memórias" a televisão aparece como parte de um mundo externo e que quase não afeta o mundo interior de seus protagonistas. A televisão não afeta a vida do sertanejo? Araújo - Ela afeta de uma maneira diferente, pois as pessoas não têm como consumir. O que a televisão faz é tentar vender um modo de vida. Para você ter acesso a esse modo de vida você tem que ter dinheiro e tem que comprar. A televisão faz parte da paisagem hoje em dia no Brasil. Por isso é importante fazer filmes que seriam quase como um resgate da nossa imagem. A gente nunca quer se olhar, olhar esse lado dos problemas sociais não resolvidos, o lado que não é ligado com Internet. Hoje no Brasil só se fala em modernidade. A gente não pode ficar querendo a todo momento se espelhar nos outros. Folha - A impressão que se tem no filme é que essa paisagem televisiva não penetra no imaginário dos indivíduos. Araújo - Não penetra, ela é quase que neutralizada. Os sertanejos retratados no filme têm uma força interior muito grande. Eles vêem o mundo com uma certa visão religiosa. A referência cultural é a religião, é a "Bíblia". As pessoas retratadas no filme não são as afetadas pela televisão. Folha - Você morou em países diferentes, conheceu várias culturas e hoje em dia tem duas casas: uma em Nova York e outra em Fortaleza. Você se considera inserido no imaginário retratado no filme ou no imaginário das grandes metrópoles? Araújo - Eu acho que os dois mundos convivem em mim porque eu também tenho uma preocupação muito grande com a espiritualidade. Eu estudei num seminário muito tempo. Acho que existe hoje em dia nas pessoas uma busca da espiritualidade, das vozes interiores e mesmo do budismo -não fosse assim todos teríamos que tomar muito Prozac. Texto Anterior: CNT lança mexicanas Próximo Texto: "Guerra..." sintetiza Hollywood Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |