São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Bem-aventurados os misericordiosos"

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Estamos em tempo de quaresma, preparando a Páscoa. Neste ano, a Campanha da Fraternidade trata da "fraternidade e dos encarcerados", reafirmando que "Cristo nos liberta de todas as prisões", também de nossos vícios pessoais.
No início de minha vida sacerdotal, recebi como campo de apostolado o Centro de Reeducação Instituto Gabelelli, em Roma. Por mais de quatro anos, tive a oportunidade de conhecer de perto a situação dos presos, na maioria jovens. O local não era adequado para conter as centenas de presos e, poucos anos depois, foi desativado, passando a funcionar em casas menores e separadas.
Aqueles anos (1955-60) constituíram uma fase árdua que marcou para sempre minha vida. Havia muita violência e começava a se difundir o uso da droga.
Lembro-me das longas conversas nas celas. Comecei a perceber o drama daqueles presos, iniciado muitas vezes na infância, quando experimentaram, no próprio lar, a separação dos pais, o mau exemplo e até o aliciamento ao crime.
Padeceram a rejeição, a frieza e distância afetiva dos familiares. Um dos maiores sofrimentos era o fato de se verem presos e abandonados, sem visitas, sentindo-se desprezados e como se não existissem mais.
Essas recordações do início de meu ministério sacerdotal nas prisões ajudam-me a compreender melhor, nesta Campanha da Fraternidade, a importância da visita aos presos como expressão de caridade cristã.
Os encarcerados ficam aguardando o encontro com alguém que venha vê-los e demonstre interesse por eles. O propósito de visitá-los, de modo regular, constitui em nossa comunidade um dos melhores serviços da Pastoral Carcerária.
No entanto, nem sempre é fácil cumprir esse gesto de fraternidade cristã. Há dois anos, o cardeal d. Aloísio Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza, visitava, com frequência, o Instituto Penal Paulo Sarasate.
No dia 15/3/94, alguns presos planejaram uma fuga e fizeram reféns. Entre eles, estava o cardeal, que passou 19 horas, com perigo de vida, em poder dos sequestradores. Dias mais tarde, após a libertação, d. Aloísio afirmou, com coragem heróica: "Para mim, aumentou o amor por eles e a necessidade de dedicar-me ainda mais aos presidiários, que são os excluídos da sociedade".
Outro fato inesquecível consta no texto-base da Campanha da Fraternidade-1997 e serve de exemplo para todos nós.
Padre Luiz Roberto di Lascio encontrava-se no 9º pavilhão da Casa de Detenção do Carandiru (SP), para visitar e confortar um dos presos. Ali entrou, também, uma senhora de idade, simples, encurvada, levando uma sacola. Foi ao encontro de um jovem que a aguardava, sentado no banco. Ele a acolheu com carinho, e ela, com gestos de amor materno, demonstrou, durante todo o tempo, acolhimento e ternura. Despediram-se com um abraço afetuoso.
O preso, a quem o padre visitava, disse: "Sabe, padre Luís, aquela senhora não é a mãe dele, mas a mãe do rapaz que ele matou. No dia do enterro, ela prometeu que o perdoava. Como sinal de perdão, ela o acompanharia, com muito amor e assistência, enquanto ele estivesse na prisão".
Entre gestos de fraternidade, comprometamo-nos a visitar os detentos. Essa atitude, fruto do perdão e do amor gratuito, faz renascer a vida e a esperança no coração dos presos. E há de nos dar, por isso, a alegria de quem imita a misericórdia divina.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

Texto Anterior: Bokassa, o esclarecido
Próximo Texto: O Paraguai não é aqui
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.