São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
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Ugo Giorgetti filma "Boleiros" em abril

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Começa a ser rodado em abril o aguardado filme de Ugo Giorgetti sobre o mundo do futebol.
"Boleiros", quarto longa-metragem de ficção do diretor de "Festa" e "Sábado", vai contar seis historietas evocadas por um grupo de ex-jogadores numa mesa de bar.
O filme custará cerca de R$ 1,5 milhão. Giorgetti conseguiu um quinto desses recursos em concursos públicos do Estado (via TV Cultura) e da Prefeitura de São Paulo.
Os restantes 80% serão bancados por empresas privadas: Porto Seguro, Brahma, Unibanco, Adidas e W/Brasil.
O elenco de "Boleiros" só será fechado na última hora. Ugo Giorgetti adianta, porém, que pretende contar com Adriano Stuart (de "Festa"), Flavio Migliaccio e Marisa Orth.
Nesta entrevista, além de falar sobre seu filme, o cineasta solta o verbo contra a modernização exacerbada do futebol e a falta de vigor do cinema brasileiro.
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Folha - Você vai encenar os jogos ou usar teipes de partidas reais?
Ugo Giorgetti - Não pretendo usar imagens de jogos reais. Na verdade, o filme terá só um jogo que eu tenho de encenar, na história do juiz, e um treino, no episódio da macumba. E tem o gol de placa, no episódio do craque da rodada, que talvez eu tenha de comprar.
No mais, o filme não terá lances de jogo. Quem for ver "Boleiros" para ver o jogo em si vai se frustrar. Por outro lado, mesmo quem não acompanha futebol pode gostar do filme. Meu interesse é o universo dramático em torno do futebol: os personagens, as histórias.
Veja, por exemplo, quantos filmes os americanos fizeram em torno do boxe. Eles entenderam o drama dentro do esporte.
Folha - Você vai usar jogadores profissionais?
Giorgetti - Ah, sim. Não os craques famosos, mas jogadores desconhecidos. Para dar veracidade ao jogo. Se vem uma bola, o cara tem que saber matar, senão ninguém acredita. E pretendo contar com a assessoria de um jogador experiente, para me ajudar a coreografar algumas jogadas.
Folha - Por que se filmou tão pouco o futebol no Brasil?
Giorgetti - Francamente, não sei. Tenho a impressão de que o assunto é maior do que nós, literatos, teatrólogos e cineastas.
Aparentemente é simples: "É uma coisa do povo". Mas tem uma grandeza e uma complexidade imensas. A gente está trabalhando com os nossos heróis. Aliás, eu quis fazer esse filme porque foram os meus heróis.
Folha - Você continua muito ligado ao futebol hoje?
Giorgetti - Não muito. Estou achando que está tudo tão cheio de telefone celular, de publicidade ostensiva... Veja o Botafogo do Rio. Aquela camisa linda, com a estrela solitária, botaram no meio aquele troço verde medonho, da Seven-Up.
Outro dia vi, pela televisão, o jogo entre Corinthians e São Paulo. Havia umas moças ao lado do campo dançando com uns pompons, feito torcida de futebol americano. Se eu estivesse no estádio, acho que jogava uma laranja. Aquilo é que é vandalismo. Um vandalismo mais sofisticado, mas é vandalismo.
Folha - Você acha que a profissionalização exacerbada do esporte está acabando com a cultura que você retrata no filme?
Giorgetti - Acho que sim. Mas essa profissionalização é um fenômeno que acontece em toda parte. Hoje um ator de teatro se considera um "manager" de seu trabalho, anda com "laptop" para cima e para baixo.
Alguns privilégios que eram concedidos ao artista -e ao jogador de futebol-, como a irreverência e a rebeldia, estão acabando.
O discurso dos jogadores de futebol hoje é totalmente padronizado. Algumas palavras obrigatórias nesse discurso são "o grupo", "determinação", "o professor" (o técnico) e "Deus".
Folha - Como você pretende abordar o universo do futebol?
Giorgetti - Eu tento tirar o assunto dele mesmo, não colocar muitas coisas minhas. Estou trabalhando com arquétipos: o racismo, o jogador que foi um ídolo e está mal etc. O que pretendo é fazer uma pequena reportagem sobre o futebol, um pequeno documento.
Folha - Há dois anos, você disse que o cinema brasileiro era o mais porco do mundo. De lá para cá, você notou alguma melhora?
Giorgetti - Notei. O cinema brasileiro já é menos porco. Mas, por outro lado, ele tem que continuar tendo força. O cinema novo era porco, mas tinha muita virilidade. Acho que estamos perdendo essa virilidade. Estamos muito edulcorados, anódinos.
Você tem que ter apuro técnico para permitir que as suas idéias sejam expressas mais claramente. Só por isso. Não tenho nenhuma fascinação pelo apuro técnico em si. E acho que muita gente está tendo. Todo mundo hoje está mixando em Nova York. Ora, isso não significa que sua idéia vá melhorar. Sua má idéia vai ficar expressa mais claramente, só isso.

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