São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Como evitar uma crise externa (1)

CELSO PINTO

Até quando o Brasil poderá acumular buracos nas suas contas externas antes que isso eleve a dívida externa a níveis insustentáveis?
Alguns economistas acham que a trajetória é explosiva. Gustavo Franco, diretor do Banco Central e principal defensor dos déficits externos como forma de absorver poupança, descarta essas previsões. Cobre de elogios, de outro lado, um trabalho nessa área feito por Alexis Maka, economista do Ipea, órgão de pesquisas ligado à Secretaria do Planejamento.
A conclusão de Maka é que é possível ter déficits por alguns anos e estabilizar o tamanho do passivo externo mais à frente. Isso supõe, no entanto, uma reação rápida e expressiva, já no próximo ano, das exportações, um equilíbrio da balança comercial em três anos, um superávit de uns US$ 5 bilhões no ano 2000 e a geração permanente, dentro de dez anos, de um superávit comercial equivalente, em valores de hoje, a algo entre US$ 15,5 bilhões e US$ 17,6 bilhões ao ano.
Em outras palavras, ter déficits externos durante algum tempo não leva, necessariamente, ao caos. Mas exige reação rápida e resultados substanciais para manter uma trajetória sustentável. Tão equivocado quanto imaginar o apocalipse depois de amanhã é supor que o país poderá manter, por vários anos, déficits comerciais externos muito grandes.
Maka faz parte da leva de jovens economistas que vieram renovar o Ipea nos últimos anos (no seu caso, vindo da Fundação Getúlio Vargas do Rio). Dentro de uma pesquisa mais ampla do Ipea sobre como financiar o desenvolvimento, Maka fez um trabalho sobre a área externa. Vale a pena examinar em detalhe suas conclusões.
Dois conceitos são fundamentais: o passivo externo líquido e quanto o país terá que remeter no futuro para pagá-lo. Maka usa o conceito mais amplo possível de passivo externo líquido: soma a dívida externa (deduzindo o valor das reservas) e o estoque dos investimentos externos de risco no Brasil (menos o estoque de investimentos brasileiros no exterior).
Faz sentido, porque os dois passivos custam algo ao país, sejam juros da dívida ou remessas de dividendos de investimentos diretos. No ano passado, segundo dados do Banco Central citados por Maka, o custo médio desse passivo foi de 6,36%.
Toda vez que há déficit em conta corrente, aumenta o passivo externo. Isso pode acontecer por algum tempo, mas, a certa altura, o país terá que gerar um superávit para repagar parte da dívida e impedir seu crescimento explosivo.
Esse superávit tem que vir da balança comercial (exportações menos importações) e de serviços (fretes, viagens, seguros etc.), exceto os chamados serviços de fatores, de remuneração do capital, como juros e royalties, incluídos no passivo externo. Deduz-se do total a entrada de dinheiro via remessas unilaterais (especialmente de brasileiros que vivem no Japão).
É importante notar, portanto, que não basta apenas olhar a balança comercial, é preciso ver o rumo dos outros serviços não-fatores. No ano passado, o resultado dessa conta de bens e serviços não-fatores (menos transferências unilaterais) registrou um déficit de US$ 10,45 bilhões. Note-se bem: desse déficit total, a balança comercial contribuiu com US$ 5,5 bilhões. Ou seja, os outros serviços menos transferências geraram um déficit em torno de US$ 5 bilhões.
Enquanto a balança comercial reage a estímulos dados por financiamento, câmbio, subsídios etc., as contas dos serviços não-fatores são mais rígidas. Por exemplo, existe um déficit "estrutural" em fretes, que tende a crescer junto com o aumento do volume do comércio exterior. No item "viagens internacionais", o déficit saltou de US$ 800 milhões em 93, antes do Plano Real, para US$ 3,6 bilhões em 96.
Como o governo tem mais poder de ação sobre a balança comercial do que sobre outros serviços, quando se fala que o país terá que gerar, no futuro, superávits para evitar que o passivo externo cresça de forma explosiva significa superávits comerciais suficientes para compensar o déficit de serviços e ainda repagar parte da dívida.
No domingo, analiso o resultado das projeções de Maka, considerando três conjuntos de hipóteses.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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