São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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As artes marciais deveriam formar cidadãos

MARCELO TADEU FERNANDES SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Meu primeiro contato com as artes marciais foi na metade dos anos 70, quando a TV mostrava um festival de porradas sincronizadas e bem coreografadas que faziam a alegria da turma do colégio.
Naquele contingente de jovens entre 10 a 20 anos, os diálogos se limitavam em comparar "quem bateu em quem" na confusão da festa na escola.
Nada mais era do que comparações da força aparentemente descomunal de um membro que praticava alguma arte marcial, instalando-se nos franzinos o terror completo.
Para nós, os "frangos", bastava acreditar na velocidade das pernas ou adquirir algumas publicações do tipo "Pratique Judô sem mestre".
Já percebia que todos os que de alguma forma buscavam as artes marciais para uso como defesa pessoal não demonstravam um equilíbrio ou consciência do que praticavam.
No final dos anos 80, como num milagre, surge como um samurai verdadeiro Aurélio Miguel, ouro no peito. Ele mostrou o que é uma arte marcial: ética, respeito e, principalmente, o uso da arte para demonstrar um "valor nacional" para o resto do mundo.
Chorar!!!??? Nunca! Demonstrar fraqueza, para os que praticam sem mestre, é a derrota estabelecida. O que vale para a cabeça e mente de neurônios sem mestre é o sangue no tatame, na rua, nos bares...
Mal sabem eles, os sem-mestres, que os grandes mestres que o mundo oriental já teve eram franzinos, calmos, que pregavam uma filosofia comum: o equilíbrio do corpo e espírito para se alcançar a paz.
Mas hoje, os sem-mestres continuam agindo! Porradas e sangue. Ou melhor, um boom de porradas e sangue guiados pelos bem organizados "Vale-tudo" e torneios de jiu-jitsu, com o slogan "I'm the Best, Fuck the Rest!". Então, por onde andam os mestres e onde ensinam, afinal?
Foi a sorte que tive em poder conhecer no âmago da arte o significado de uma luta marcial. E que defino como um caminho marcial -o Budô.
Na primeira viagem que fiz ao Japão, em 95, constatei que o jiu-jitsu, o judô, o caratê, o kendô, o aikidô e o sumô fazem parte da formação da educação do povo japonês. E que, desde as escolas primárias até o treinamento policial, a arte marcial está explicitamente ligada ao cotidiano.
Eles têm mestres!!! Aqui no Brasil, vai muito mal!!!
A arte marcial, que deveria ser ensinada para servir de meio a tornar os que a buscam cidadãos verdadeiros, revela o contrário, a criação de delinquentes e covardes que detonam uma guerra social sem procedentes. Salvo alguns poucos, que aqui, quase que escondidos em academias geralmente simples e pequenas, resistem a essa situação!
Na verdade, o jiu-jitsu, tal como o caratê, o judô, o aikidô, a capoeira, enfim, toda a arte marcial, denota a busca da perfeição humana, feita da união da matéria -o corpo e da alma- o espírito.
Foi isso que percebi no meu mestre. Morihei Ueshiba, o criador do aikidô, sabiamente disse a um dos seus: "Machucar o seu oponente é infinitamente mais fácil do que curá-lo do ódio, afim de torná-lo um amigo seu".

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