São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Sobre o excesso quase imbecil de comunicação

CARLOS HEITOR CONY
DO CONSELHO EDITORIAL

Fora, mas principalmente dentro das redações, discute-se o futuro da mídia impressa, ou melhor, a falta de futuro dos jornais e revistas que ainda gravitam na era guttemberguiana, considerada hoje como a pré-história da comunicação.
Pessoalmente, acho que sempre haverá espaço para o jornal, a revista e o livro, desde que a dita comunicação seja setorizada em forma e principalmente em conteúdo.
Há um excesso quase imbecil de comunicação: a oferta é bem maior do que a procura, o supérfluo esmaga o necessário. E a mídia eletrônica, apesar do pouco tempo no mercado, já apresenta esse excesso que só serve para poluir a programação das emissoras e gastar mais depressa as pilhas que alimentam o controle remoto.
Sobre essa inutilidade da informação, essa imbecilidade da notícia, gosto de citar o exemplo de Jacinto de Thormes em "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiroz.
Mostrando as maravilhas tecnológicas do seu palacete de Paris ao amigo que chegara das serras portuguesas, Jacinto exalta seu gabinete de trabalho, a luz elétrica e outros penduricalhos de última geração que fazia do 202 dos Campos Elíseos um museu do futuro.
Nisso, o telégrafo derrama no tapete comprida tira de papel com caracteres impressos, "que eu, homem das serras, apanhei maravilhado. A linha, traçada em azul, anunciava a meu amigo Jacinto que a fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria! Desejei saber, inquieto, se o prejudicava diretamente aquela avaria da Azoff. Jacinto ficou espantado: "Da Azoff?... Avaria?... A mim?... Não! É uma notícia!".
Daí que os novos veículos de comunicação, nascidos no insaciável e deslumbrante útero da informática, terão sempre gordura para absorver esse excesso de informação, no pressuposto válido mercadologicamente de que, se Jacinto de Thormes nada tinha com a fragata russa que chegava a Marselha, haveria sempre alguém que teria e ficaria preocupado com a revelada avaria.
Evidente que, se a mídia impressa tentar competir com a velocidade e a amplidão do universo comunicado pelos meios eletrônicos, estará perdendo tempo, gastando dinheiro e ajudando a criar a imagem de veículo ultrapassado. O melhor exemplo que podemos sacar de um meio que deu a volta por cima de um desafio igual foi o do rádio.
Com o advento da TV, os estrategistas do rádio perceberam que não poderiam competir com a imagem e procuraram encontrar aquilo que hoje se costuma nomear de "nicho".
Música e informação, debates, redes comunitárias ou religiosas -abriu-se um leque diversificado de opções em que o rádio não apenas podia competir com a TV como, em alguns casos, superar. É o caso óbvio da notícia em si, da primeira mão, do furo imediato.
Quando, como e, sobretudo, se a mídia impressa vai encontrar esse nicho é uma questão aberta. Mas encontrará, tenho certeza, não pela genialidade ou pelo talento de seus profissionais, mas pela própria mecânica do veículo.
Noticiar, em manchete da primeira página, que o Palmeiras ganhou por 3 a 2 o jogo da véspera, será sempre uma prova pleonástica desse excesso de informação. O leitor de jornal, revista e livro será diferenciado mercadologicamente do consumidor da mídia eletrônica. Exigirá mais, refletirá melhor, tentará absorver sempre.
Não tenho acesso confiável às pesquisas de jornais e revistas mas entra pelos olhos que, a cada evento importante, apesar da cobertura massiva e até excessiva do rádio e da TV, jornais e revistas vendem mais no dia seguinte. Pode-se até extrair um paradoxo da competição entre as mídias: diante de um fato realmente notável, bom ou mau, não importa, a mídia instantânea operada pelo rádio e pela TV funciona como eficiente comercial para aumentar o interesse (e a venda) de jornais e revistas.
É por aí, acredito eu, que a mídia impressa, apesar de sua lentidão estrutural e de sua labiríntica rede de distribuição, resistirá por muitos anos ainda. E poderá resistir para sempre, desde que seja encontrada a linha do editorial que terá de priorizar a reflexão e não a emoção, a qualidade e não a quantidade.
Quanto ao livro, nada a temer dos sucedâneos nascidos da informática. Livros de serviço (dicionários, atlas, matemáticas, tabelas, acervos científicos ou de arte etc.) poderão ser substituídos com vantagem pelos programas de computador -que a cada ano se tornam mais sofisticados. Mas um ensaio de filosofia ou história, um poema ou um romance de reflexão continuarão a ter no livro o seu espaço móvel e preciso, único e inalterável.
Desde que, como o jornal em face da TV, não queira competir acima de suas forças, brigando para anunciar que a fragata Azoff está entrando com avarias no porto de Marselha.

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