São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Nós e a ovelha Dolly

JOSÉ SARNEY

Bruxelas - Os jornais da Europa estão envolvidos numa discussão que deve durar séculos. Opinam filósofos, políticos, teólogos e toda a gente.
É que nasceu na Escócia essa ovelha Dolly, igual a todas as ovelhas, mas diferente porque cópia de uma outra, cuja produção dispensou o espermatozóide, num processo de clonagem que abre caminho para a manipulação genética do ser humano. Dolly é o primeiro mamífero a ser assim "produzido".
Qualquer célula serve. Da pele ou de qualquer órgão. Não existe mais necessidade de haver amor entre homem e mulher e, entre animais, "cruzamento".
A técnica é simples, vem sendo aplicada amplamente em vegetais. Não há barreiras científicas para a sua contenção. Os instrumentos que estão à disposição da humanidade para detê-la são éticos e políticos.
Clinton gritou que nos Estados Unidos jamais ela será permitida. Chirac considerou-a possível, mas inaceitável, e o ministro das Pesquisas francês, senhor François d'Aubert, considera uma descoberta importante e fundamental, mas declara que é totalmente contrário à manipulação genética do homem.
A verdade é que se fala na eternidade dos corpos que se repetirão idênticos em série e no que isso determinará no comportamento da humanidade. Por mais que se estabeleçam leis e códigos morais haverá brevemente, por vaidade e por tentação, alguém que utilize esse método.
Fala-se, já, em países que permitirão e países que não permitirão. Será necessária uma lei universal e o desenvolvimento de uma nova religião: a bioética. Dolly, essa ovelha britânica, joga por terra esse sonho do homem, desde Adão até Tarzã, rei da natureza. O homem agora não serve para nada: ele é dispensável para reprodução, obra só de mulheres. Agora virá o homem homogêneo, apenas numerado.
As campanhas feministas estão vitoriosas. Acabou-se a discussão de quem vale mais, o homem ou a mulher. Fomos derrotados pelos carneiros. As mulheres poderão decidir: um mundo só de mulheres! Recusamo-nos a oferecer nossos órgãos de gestação às células do homem! E aí, o que será de nós?
Fala-se em reformar a Carta das Nações Unidas para modificar os artigos referentes aos direitos do homem.
Nesse caso, a palavra homem deve ser restritiva e não mais abrangente de gênero humano. E mais do que isso é necessário e urgente criar-se um movimento para defender o nosso direito de existir.
O deputado Último de Carvalho, certa vez, ao ser contestado por um colega de outro Estado que dizia que ali eram todos "homens", no sentido de valentes, respondeu: "Em Minas, metade é homem e metade é mulher. E é tão bom!".
E agora? Essa metade da humanidade não tem utilidade! Consola-nos a declaração do presidente da Associação de Criadores da França: "A natureza vai reagir". É a nossa única esperança.
Françoise Sagan, feminista, escreveu um livro sobre o machismo. Terminava dizendo: "Que seria das mulheres se não fossem os homens?"

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