São Paulo, sábado, 1 de março de 1997
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Não-iniciado pode se perder em "Taltos"

MARCELO CALLIARI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Era uma vez uma raça de gigantes ingênuos que acabou dizimada ao entrar em contato com os ferozes seres humanos. E era vez uma trilogia que começou de forma magistral e que nunca mais conseguiu manter a mesma qualidade.
Essas são as histórias, respectivamente, de "Taltos", que a editora Rocco lança agora, e da série das bruxas Mayfair, escritas por Anne Rice, a norte-americana autora das merecidamente "cult" "Crônicas dos Vampiros".
Segundo a própria Anne Rice, a trilogia das bruxas tem em "Taltos" sua terceira e última parte.
Mas, se não se compara ao excelente "A Hora das Bruxas", primeiro da série, "Taltos" fica vários pontos acima do decepcionante "Lasher", o segundo.
E, mais importante, ainda é um Anne Rice, o que assegura personagens interessantes e bem elaborados, ambientações altamente visuais, muitos flashbacks históricos, referências a lendas e mitos e "insights" sociológicos, além de um ritmo, se não digno de John Grisham, pelo menos bastante envolvente.
O livro recupera um pouco da magia perdida em "Lasher", contando a história dos Taltos, povo de gigantes ingênuos e praticamente imortais, que nascem adultos, "sabendo", e que existem desde antes do "Homo sapiens".
O narrador principal é Ashlar, um taltos que viu seu mundo ser destruído pela chegada dos primeiros homens à Grã-Bretanha e sua própria raça ser massacrada, já na Idade Média, pela intolerância, pela ignorância, pelo preconceito.
Como sempre, Anne Rice dá destaque ao tema da religião, esmiuçando a introdução do cristianismo na Grã-Bretanha, suas contradições e sanguinolentas consequências.
Como sempre, também, Rice aproveita seus personagens para discutir aspectos da vida moderna de perspectivas pouco usuais. Ashlar, por exemplo, hoje um milionário "homem" de negócios, aponta a sociedade de consumo de massa como uma das maiores conquistas da humanidade, ao tornar incontáveis bens acessíveis às multidões.
As críticas tão comuns ao processo de massificação revelam, para ele, um elitismo quase criminoso.
A história de Ashlar mistura-se à dos bruxos dos livros anteriores, Rowan e Mona Mayfair e Michael Curry, cujos genes, por uma aberração biológica mal explicada, são capazes de gerar o taltos.
Desses, é Mona quem rouba a cena, uma adolescente brilhante e voluntariosa, tão à vontade com seus poderes sobrenaturais quanto com seu charme de ninfeta e com mercados financeiros globalizados.
"Taltos" ainda traz de volta a Talamasca, organização que permeia diversas obras de Anne Rice e que é uma das suas mais interessantes criações. Estruturada como uma ordem monástica, de origem perdida nas brumas da história, a Talamasca dedica sua existência a observar o oculto e o paranormal, registrando fenômenos e seres sobrenaturais ao longo dos séculos.
Um problema de "Taltos" é que ele é basicamente um livro para iniciados. Quem leu "A Hora das Bruxas" e "Lasher" não vai querer ficar sem ler.
Já quem não conhece os outros dois livros vai ter dificuldade para entender boa parte da história. Para esses, aliás, a recomendação é fácil: leiam a "A Hora das Bruxas" antes. É muito melhor.

Livro: Taltos
Autor: Anne Rice
Quanto: R$ 37 (496 págs.)

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