São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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As tribos perdidas da Internet

MARIA ERCILIA
DO UNIVERSO ONLINE

Basta olhar ao redor para ver o efeito que a Internet já causa nas relações sociais. Quase deixou de ser exótico fazer amigos e namorar, brigar e amar via Internet; milhões de pessoas que jamais se conheceriam de outra forma se esbarram dia e noite nas salas congestionadas de bate-papo.
Casamentos, churrascos, acasos felizes e baixarias brotam continuamente do emaranhado de computadores -as relações têm caráter febril, mas ao mesmo tempo superficial.
Um papo no computador pode ir em poucos minutos do jogo puro à total intimidade -e vice-versa. Estimuladas pelo anonimato, as pessoas oferecem com indiferença o melhor e o pior delas.
Esse ambiente, na aparência caótico e sem limites, mas extremamente ritualizado (os grupos que conversam rapidamente desenvolvem códigos, gírias etc. e rechaçam novatos) é o sonho de um antropólogo.
Antropologia
Dois anos atrás, tive um encontro com um norte-americano recém-chegado ao Brasil. Jerry Lombardi preparava-se para uma estadia no país, para estudar o comportamento dos adolescentes brasileiros diante da Internet.
Conversamos sobre IRC (bate-papo), sobre a Rede Nacional de Pesquisas (onde ele estava iniciando um estágio) etc. Tudo era pura possibilidade.
Havia uma cultura de BBS mais ou menos tímida, um princípio de abertura para exploração comercial da Internet, algum movimento nas universidades. Mais nada.
Tive a sensação de que falávamos sobre algo ainda impalpável, sobre um grupo que ainda não existia no Brasil, e fiquei pensando se ele não estaria procurando seu objeto de estudo cedo demais.
Agora, já de volta a Nova York, onde faz doutorado na New York University, Lombardi começa a juntar os pedacinhos de seu quebra-cabeças.
Ele passou 18 meses entrevistando adolescentes e suas famílias, colhendo depoimentos e explorando as salas de bate-papo.
"Onde passei menos tempo foi nas escolas públicas e particulares, porque são o ambiente mais atrasado em relação à informática. A situação de projetos como o S.O.S. Criança é terrível, nessa área."
Para Lombardi, a vantagem de estudar o Brasil é justamente o contraste entre a cultura do país e os valores que vêm embutidos na Internet.
Consumismo X idealismo
Ele encontrou fatos curiosos pelo caminho, como garotos de 10 a 15 anos que estão juntando dinheiro e know-how para montar seu próprio site num computador ligado à Internet nos EUA, com o intuito de fornecer um espaço na rede para outros jovens brasileiros.
"O que impressiona é a seriedade com que prosseguem neste empreendimento, a presença de uma ideologia de sucesso competitivo (tipo Lair Ribeiro) misturada com o idealismo coletivista. Eles misturam tudo isso com uma idolatria a Bill Gates e outros empresários-heróis que servem de modelos (são os Batmans e Super-Homens dos anos 90)."
Lombardi se surpreendeu também com a vivacidade de alguns grupos de adolescentes, como os frequentadores das conferências de "Agitos" e "Sobrinhos do Ataíde Online" do BBS Mandic.
"A criatividade linguística deles era coisa espantosa, e também a função da brincadeira e da gozação como ritos de passagem que determinam quem pode ser aceito pelo núcleo de agitadores. É fascinante o entrosamento completo que eles conseguem entre atividades on line e a 'vida real': não há separação alguma."
Lombardi teve sorte, ou senso de oportunidade: acabou pegando o momento exato em que essa cultura começava a borbulhar no Brasil.

E-mail: netvox@uol.com.br

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