São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Revista pornô patrocina livro universitário

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O lançamento de um livro universitário, no próximo dia 25, na livraria Cultura, em São Paulo, vai dar o que falar -menos pelas idéias que traz ao longo de suas 426 páginas e mais pelo nome do patrocinador da obra.
"Pensar-Pulsar", um alentado estudo sobre as relações entre cultura, tecnologia e poder, é fruto do trabalho de oito pesquisadores do Coletivo NTC (nova teoria da comunicação), um grupo ligado informalmente à Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
No canto inferior direito da capa aparece, discretamente, o nome do principal patrocinador do livro: "Projeto Brazil". Trata-se do mesmo grupo responsável pela edição da revista "Brazil".
Pouco conhecida do público universitário, a "Brazil" é uma revista pornográfica pesada, que traz ensaios fotográficos com modelos utilizando vibradores e um serviço de troca de informações entre os leitores, ilustrado com fotos dos órgãos sexuais de quem escreve.
Em sua última edição, a "Brazil" também traz um texto contando sua associação com o pessoal da USP e oferece 200 exemplares grátis de "Pensar-Pulsar" aos leitores que enviarem um cupom à revista.
Como uma revista pornô patrocinou um livro universitário é uma pergunta que tem várias respostas.
Segundo Mário Lucena, editor da "Brazil", o patrocínio faz parte de um projeto cultural mais amplo, expresso no seu slogan: "Uma revista 100% nacional".
Antes de patrocinar o livro dos pesquisadores da ECA-USP, Lucena já havia tentado, sem sucesso, dar apoio financeiro a publicações do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Rede Nacional de Profissionais do Sexo, uma espécie de sindicato de prostitutas.
Para o professor de teoria da comunicação e coordenador do Coletivo NTC, Ciro Marcondes Filho, o patrocínio da revista "Brazil" ao livro "Pensar-Pulsar" revela "a situação dramática em que se encontra hoje o pesquisador brasileiro" (leia texto ao lado).
Idas e vindas
O Coletivo NTC é formado, em sua maioria, por mestrandos e doutorandos da ECA-USP. O livro "Pensar-Pulsar" nasceu depois de inúmeros cursos e debates realizados pelos pesquisadores, sob coordenação de Marcondes Filho.
Pronto o livro, no segundo semestre de 96, o grupo se deparou com a necessidade de obter um editor interessado em investir cerca de R$ 25 mil na sua publicação.
Foi nesse momento que um dos integrantes do Coletivo NTC, que conhecia o editor Mário Lucena, fez uma ponte com o Projeto Brazil. O patrocínio foi aceito sem que todos os membros do grupo conhecessem a revista "Brazil".
Lucena aplicou o dinheiro necessário na edição de "Pensar-Pulsar" em troca, apenas, do nome do projeto na capa e da publicação de um texto de duas páginas no corpo do livro, no qual explica os seus objetivos, a saber: "Promover a cultura, o esporte e o lazer, além da questão da sexualidade".
Com o livro já impresso, alguns integrantes do Coletivo NTC se deram ao trabalho de comprar um exemplar da "Brazil" -e ficaram chocados com o que viram.
O grupo se reuniu para discutir a questão e chegou a votar uma proposta de cancelamento do patrocínio. Alguém lembrou que o livro já estava pronto e a proposta acabou sendo rejeitada.
Os integrantes do coletivo também votaram a proposta de aceitar o patrocínio, mas retirar o texto de Mário Lucena do corpo do livro. Essa proposta também foi rejeitada pela maioria dos membros.
"Acho que essa confusão acabou proporcionando um momento de reflexão para eles", diz o editor Lucena sobre o constrangimento que, indiretamente, criou.

Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch
Próximo Texto: 'Nossas idéias estão intactas'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.