São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997 |
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Revista pornô patrocina livro universitário
MAURICIO STYCER
"Pensar-Pulsar", um alentado estudo sobre as relações entre cultura, tecnologia e poder, é fruto do trabalho de oito pesquisadores do Coletivo NTC (nova teoria da comunicação), um grupo ligado informalmente à Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. No canto inferior direito da capa aparece, discretamente, o nome do principal patrocinador do livro: "Projeto Brazil". Trata-se do mesmo grupo responsável pela edição da revista "Brazil". Pouco conhecida do público universitário, a "Brazil" é uma revista pornográfica pesada, que traz ensaios fotográficos com modelos utilizando vibradores e um serviço de troca de informações entre os leitores, ilustrado com fotos dos órgãos sexuais de quem escreve. Em sua última edição, a "Brazil" também traz um texto contando sua associação com o pessoal da USP e oferece 200 exemplares grátis de "Pensar-Pulsar" aos leitores que enviarem um cupom à revista. Como uma revista pornô patrocinou um livro universitário é uma pergunta que tem várias respostas. Segundo Mário Lucena, editor da "Brazil", o patrocínio faz parte de um projeto cultural mais amplo, expresso no seu slogan: "Uma revista 100% nacional". Antes de patrocinar o livro dos pesquisadores da ECA-USP, Lucena já havia tentado, sem sucesso, dar apoio financeiro a publicações do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Rede Nacional de Profissionais do Sexo, uma espécie de sindicato de prostitutas. Para o professor de teoria da comunicação e coordenador do Coletivo NTC, Ciro Marcondes Filho, o patrocínio da revista "Brazil" ao livro "Pensar-Pulsar" revela "a situação dramática em que se encontra hoje o pesquisador brasileiro" (leia texto ao lado). Idas e vindas O Coletivo NTC é formado, em sua maioria, por mestrandos e doutorandos da ECA-USP. O livro "Pensar-Pulsar" nasceu depois de inúmeros cursos e debates realizados pelos pesquisadores, sob coordenação de Marcondes Filho. Pronto o livro, no segundo semestre de 96, o grupo se deparou com a necessidade de obter um editor interessado em investir cerca de R$ 25 mil na sua publicação. Foi nesse momento que um dos integrantes do Coletivo NTC, que conhecia o editor Mário Lucena, fez uma ponte com o Projeto Brazil. O patrocínio foi aceito sem que todos os membros do grupo conhecessem a revista "Brazil". Lucena aplicou o dinheiro necessário na edição de "Pensar-Pulsar" em troca, apenas, do nome do projeto na capa e da publicação de um texto de duas páginas no corpo do livro, no qual explica os seus objetivos, a saber: "Promover a cultura, o esporte e o lazer, além da questão da sexualidade". Com o livro já impresso, alguns integrantes do Coletivo NTC se deram ao trabalho de comprar um exemplar da "Brazil" -e ficaram chocados com o que viram. O grupo se reuniu para discutir a questão e chegou a votar uma proposta de cancelamento do patrocínio. Alguém lembrou que o livro já estava pronto e a proposta acabou sendo rejeitada. Os integrantes do coletivo também votaram a proposta de aceitar o patrocínio, mas retirar o texto de Mário Lucena do corpo do livro. Essa proposta também foi rejeitada pela maioria dos membros. "Acho que essa confusão acabou proporcionando um momento de reflexão para eles", diz o editor Lucena sobre o constrangimento que, indiretamente, criou. Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: 'Nossas idéias estão intactas' Índice |
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