São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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O memorando Bresser

ANTONIO DELFIM NETTO

Conta-se que Dean Acheson, o famoso secretário de Estado do presidente Truman, dizia que "um memorando é produzido não para informar o leitor, mas para proteger o autor". A grande verdade escondida nessa boutade veio à minha mente quando li uma interessante nota do professor (e ministro) Luiz Carlos Bresser Pereira, "As três formas de desvalorização cambial", publicada no número 65, janeiro/março 1997, da revista "Economia Política", págs. 142-146.
Não é preciso concordar inteiramente com ela para reconhecer que pelo menos um membro do governo fala coisa com coisa em matéria de câmbio. Em lugar da arrogância dos fundamentalistas, um cuidadoso "hedge": 20% para "informar o leitor" e 80% para "proteger o autor".
O ilustre professor não comete o erro grosseiro tão comum entre nós de afirmar que "a desvalorização causa inflação". Alerta que o "problema é como evitar que a desvalorização seja apenas nominal, ou seja, como impedir que os preços internos subam na proporção do preço da moeda estrangeira".
Uma desvalorização pode levar a um aumento da inflação, mas não pode causar uma inflação. A desvalorização é uma mudança de preços relativos. Os preços dos bens potencialmente exportáveis crescem com relação aos preços dos bens não-exportáveis, aumentando a rentabilidade do setor exportador, enquanto a inflação, ao contrário, é um aumento persistente de todos os preços.
Como sempre diz um outro ilustre economista do governo, quando sobe o preço da banana não cresce a inflação, apenas diminui instantaneamente a demanda de banana e aumenta -depois de alguns meses- a oferta dos deliciosos frutos da "musa paradisíaca", exatamente porque melhorou a rentabilidade do bananal!
Como é evidente, "causar" tem o sentido da inexorabilidade; "levar a" tem o sentido da possibilidade. E se essa possibilidade vai transformar-se em realidade ou não, depende de muitas outras coisas: 1) em que medida os salários são indexados e qual o período de sua correção; 2) se a política monetária vai ou não sancionar as tensões que certamente aparecerão quando se concretizar a mudança dos preços relativos e 3) do comportamento da política fiscal, pois uma redução do déficit público corta a demanda total e libera recursos para ampliar a oferta dos bens potencialmente exportáveis, facilitando o agente.
O argumento de que a desvalorização leva à inflação não é convincente. Ou melhor, é tão convincente quanto o de que a inflação leva à desvalorização. Economias em pleno emprego, indexação plena e correção mensal de salários, política monetária e política fiscal frouxas ou produzem, simultaneamente, inflação e desvalorização, ou explodem rapidamente com uma crise externa.
Uma desvalorização bem-sucedida, feita nas condições adequadas, aumenta as exportações e reduz as importações porque altera os preços relativos. Ela pode produzir, no máximo, um choque inicial único nos preços, mas certamente não causara inflação, que é um aumento persistente de todos os preços.

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