São Paulo, quinta-feira, 6 de março de 1997
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Política econômica, o verdadeiro escândalo

ALOYSIO BIONDI

Houve muito foguetório pró-Real, no ano passado, quando o mundo se curvou mais uma vez diante do governo FHC, e a Bolsa de Mercadorias & Futuros de São Paulo, negociando dezenas de bilhões de reais, colocou-se entre as três maiores do mundo. Chegou até a ser a segunda do mundo, em determinados tipos de negócios, logo depois da Bolsa de Chicago.
Japão, Londres, Nova York? Tudo isso é fichinha, diante do Brasil do Real, entoavam alegremente os "moderninhos". Entusiasmo leviano. Manda a experiência -e manda a honestidade intelectual- que qualquer analista desconfie, sempre, do crescimento "explosivo", dos recordes, em qualquer setor da economia -ou mesmo de qualquer grupo empresarial. Crescimento explosivo nem sempre, ou quase nunca, é produto de "eficiência". Mas de "outras coisas".
Na época, esta coluna fez o alerta: a expansão vertiginosa da BM&F se explica pela excessiva facilidade (falta de exigências de garantias) para os especuladores realizarem suas jogadas. Situação que, sempre, desemboca em quebradeiras e crises, cujo preço é pago pelos contribuintes (porque o governo acaba "socorrendo" os especuladores/bancos). Distorção que, como sempre, ainda existe por causa da conivência do Ministério da Fazenda e do Banco Central com as estrepolias de certos segmentos do mercado financeiro.
Agora, meses depois, com o escândalo dos "precatórios", fica-se sabendo que a BM&F era usada para operações "falsas", de centenas de milhões de reais, para "lavar dinheiro" e sonegar impostos, além de desviar milhões de reais de Estados e prefeituras.
Nessas operações falsas, de centenas de milhões de reais cada uma, repita-se, uma empresa ou instituição comprava um lote de títulos governamentais por, digamos, R$ 100, e vendia no final do dia por R$ 80, para "inventar" um prejuízo de R$ 20. Qual a vantagem da operação? Na verdade, a empresa "compradora" era apenas um "laranja", ou "testa de ferro", que mais tarde entregava o dinheiro resultante do lucro (de R$ 20, ou 20%) por baixo do pano, de volta à "vendedora" ou mesmo a seus administradores.
Essas operações vieram à tona com o "caso dos precatórios". Para a opinião pública, uma novidade. Mas, na verdade, elas são uma rotina. Têm até nome (em inglês, óbvio): "day trade". A equipe FHC, tão enfronhada nos meandros do mercado financeiro, obviamente sabia da sua existência. Ministério da Fazenda e Banco Central nada fizeram para coibi-las. Nenhuma surpresa, também. A conivência dos governantes brasileiros com as aberrações de setores do mercado financeiro é a rotina. Não há "escândalos" de tempos em tempos. A política econômica tem sido um escândalo.
Banqueiros
Os banqueiros sérios deste país não apenas têm sua imagem enxovalhada, como frequentemente têm seus negócios afetados por concorrentes que crescem graças a práticas vergonhosas. Chegará um dia em que eles, banqueiros sérios, se convencerão de que têm o direito de romper o silêncio, e exigir que o Banco Central e o Ministério da Fazenda impeçam patifarias. Que o governo deixe de ser conivente com fraudes e seus autores.
Pobrezinhos
O presidente FHC prometeu, de novo, apoio aos pequenos e médios agricultores. Na reunião de janeiro, o Conselho Monetário Nacional (hoje formado apenas pelo trio Malan, Loyola e Kandir) desmentiu, de novo, essa intenção. Até então, os bancos podiam emprestar, no máximo R$ 150 mil, por produtor, para ele guardar sua colheita (empréstimo para disciplinar a comercialização). Objetivo do limite: distribuir o crédito, pulverizá-lo, entre o maior número de agricultores possível (um pouco para cada). O CMN eliminou o limite. Obviamente, os bancos vão fazer grandes empréstimos aos grandes produtores. Para os pequenos, nada.
Renda
A melhora na distribuição da renda trazida pelo Real se deveu à queda de inflação. Fenômeno totalmente passageiro. A política econômica de favorecimento aos grandes grupos, inclusive na agricultura, continua a ser a verdadeira causa da vergonhosa persistência da miséria no Brasil e surgimento de cidadãos brasileiros na lista dos maiores "bilionários" do mundo.

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