São Paulo, sexta-feira, 7 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Alô, Brasília! Respeitar o Pelé é bom e eu gosto

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

É brincadeira o que tem de brasileiro que torce o nariz para o Pelé.
Você já reparou? Quantas vezes não vi estrangeiro arregalar os olhos quando descobre esse peculiar traço tapuia: não ir com a cara do rei.
Tudo bem, Pelé não é militante negro e, pelo que se sabe, pouco fez pelas criancinhas pobres do Brasil além de um gol. Tudo bem, ele insiste em não tratar a filha Sandra como filha de verdade. Tudo bem, tem também aquela história, publicada nesta coluna dias atrás, de que seu empresário não aprovou o anúncio da editora Companhia das Letras -uma foto de Pelé lendo "Estrela Solitária", o livro de Ruy Castro sobre Garrincha, cujo cachê seria doado à Fundação Abrinq-, porque não é interessante ligar a imagem do maior atleta do século à de outro, que morreu bêbado e na miséria. Tudo bem, Pelé nunca diz coisas lá muito eruditas.
Mas pe-pe-peraí: estamos falando de um dos homens mais adorados do planeta ou de um jogador do Radium de Mococa -com todo respeito pelo simpático time?
Estamos falando de um gênio cujas marcas esportivas nunca foram superadas ou de um peladeiro de fim-de-semana?
Por causa do Pelé sou santista, como todo mundo nascido no final dos anos 50. E estou pouco me lixando se ele gosta de casar com loira, eurasiana ou esquimó; se fala mais besteiras do que deveria ou se é mau pai. Aliás, a julgar pela Kelly Cristina e pelo Edinho, Pelé deve ser um pai exemplar.
E não passa de inveja essa mania de cobrar do rei engajamento político. Por mim, com tudo o que ele fez pelo meu time e pela seleção, Pelé podia passar o dia todo deitado no sofá de sua casa no Guarujá coçando, que dava na mesma.
Mas, não. Na discussão sobre a nova Lei do Passe no Congresso, tive vergonha de ver os dedos em riste e berros dirigidos ao ministro Extraordinário dos Esportes pelo deputado e cartola carioca Eurico Miranda.
Agora, ele é novamente tratado feito moleque pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, que lhe negou o título de cidadão honorário de Brasília. Pois eu pergunto: quem é a Câmara do DF para julgar a vida íntima de nosso maior ídolo?
Quer saber? Se Pelé estivesse de dar pena, como um Sócrates da vida, se tivesse ficado duro ou com algum impedimento físico certamente seria tratado com mais respeito pelo Brasil.

Texto Anterior: Empreiteira espera notificação
Próximo Texto: Perguntar não ofende; Assinaturas de ouro; Making of
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.