São Paulo, sexta-feira, 7 de março de 1997
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Algren expõe os viciados e alcoólatras da América

RUSSELL BANKS
DO "NEW YORK TIMES BOOK REVIEW"

Não me surpreende que Nelson Algren, um dos melhores escritores de sua geração, não seja mais lido hoje. Acho que isso acontece em consequência da síndrome de "mate o mensageiro", porque as notícias que seu trabalho nos traz não são exatamente boas.
Nos escritos de Algren, o que mais interessa é como as pessoas vivem. A violência e, nos melhores dias, uma negligência benigna; racismo, ambição, sadismo e misoginia são o enredo e a trama de nossa fábrica social. Os nossos trabalhadores não estão felizes e a maioria deles engravidou garotas adolescentes; não possuem um lar, comida ou expectativa.
Em "Um Passeio pelo Lado Selvagem" está o início dos anos da depressão, Texas, New Orleans e a velha Perdido Street; seus personagens são vagabundos e prostitutas, viciados em drogas e alcoólatras, pessoas sem casa, brancos iletrados e negros tentando "ganhar um dólar honesto".
E o que isso tem a ver com a América, meio século depois, nesses agitados anos 90? Coisas demais, eu temo dizer.
O que nos faz desejar deixar Algren repousando na estante é que queremos pensar sobre ele como uma figura irrelevante; porque se isso não for verdade, então nós temos um grande problema.
"Um Passeio pelo Lado Selvagem" é um clássico da literatura norte-americana, uma versão caseira do europeu "bildungsroman" (romance de formação) que deve ser lido ao lado de "As Aventuras de Huckleberry Finn".
É um romance guiado pelos valores da democracia, o respeito que não é apenas sentimentalismo, feito em uma linguagem que ganha suas cores com a dor, pela ferida cuja natureza nós só podemos intuir; o livro é então uma crítica radical à economia norte-americana com a exibição dos retratos de suas vítimas.
E, finalmente, o que faz essa obra tão maravilhosa são as pessoas que habitam em suas páginas. Dove Linkhorn, o texano desajustado que -à maneira do jovem Willy Loman- leva sua lógica marxista ao extremo e que pode se tornar um vendedor de sucesso apenas se tornando um alcoviteiro.
Há também Kitty Twist, uma fugitiva de 17 anos que procura um bom ladrão ordinário para poder se estabelecer; e todas as outras mulheres que trabalham na Perdido Street, fêmeas rudes e inteligentes se que cuidam e se amam umas às outras, fazendo piadas sobre o estado em que se encontram.
"Um Passeio pelo Lado Selvagem" é uma parte permanente de nossa literatura, dessas pessoas que continuam a viver entre nós e continuarão a ser ouvidas. Isso foi tudo o que Nelson Algren esperou de seu trabalho. E o que mais um romancista poderia desejar?

Livro: Um Passeio pelo Lado Selvagem
Autor: Nelson Algren
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 33,50 (328 págs.)

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