São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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O jantar está servido

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que me perdoem os estudiosos, mas acredito que o homem nasceu na sala de jantar. Se os darwinistas e outros teóricos tivessem assistido mais TV, poderiam até concordar comigo. Se não, vejamos.
Deus criou o homem com barro, assim como as crianças brincam com bolinhos de lama. Não contente com o gosto, preferiu fazer sua companheira de uma de suas costelas: hoje em dia, quase todos os restaurantes do mundo incluem costelas (ribs) em seus cardápios.
Séculos depois, com a invenção da fotografia, do cinema e da TV, a mesa virou cenário obrigatório. As fotos de chás beneficentes ilustram revistas da década de 20 e 30. No cinema, Hollywood ensinou a fazer dry martinis, comer bacon com ovos no café da manhã (hábito que graças a Deus não desceu do Equador) e virar panquecas. Na França, sempre algum ator está segurando uma baguete e na Itália, as lollobrigidas e pampaninis estão sempre com o avental todo sujo de ovo de tanto fazer massa. Aí chegou a televisão.
Em "De Volta para o Futuro" a família visitada pelo herói em 55 está esperando o pai ligar o aparelho de TV para que possam começar a comer. E, no Brasil, nosso mais famoso programa, a novela, é exibida há mais de 30 a anos no horário do jantar.
É comida que não acaba mais: tia Nastácia faz bolinhos no fogão a lenha do "Sítio do Picapau Amarelo" enquanto escravas com turbantes amarrados na cabeça separam o feijão em "Sinhá Moça".
Em "Locomotivas" a milionária família de Elisângela e Susi Arruda comiam "aspargos na manteiga" enquanto Walmor Chagas cortejava Aracy Balabanian e Lucélia Santos com um copo de uísque. Em "Marron Glacê" a história se passava num bufê e em "O Rebu", a trama toda se desenvolvia numa festa. Aliás, quase todo primeiro capítulo de novelas de Gilberto Braga começa em grandiosas festas da alta sociedade carioca, onde o elenco comparece de black-tie, mesmo numa cidade que não tem clima para tal.
Aliás, nas novelas, sabe-se a classe social de cada núcleo pela mesa: os ricos, geralmente sentam-se a mesa arrumada com jogos americanos, taças altas de vinho e talheres pesados. Sempre há uma salada e ninguém nunca come. Fica a impressão de que, quando rico de novela fala, os outros param de comer.
Já o núcleo pobre só tem direito a café da manhã, geralmente feito com antiquados filtros de pano conseguidos sabe lá Deus como pelos diretores de arte, servido em canecas de ágate e acompanhados de pão e manteiga.
Executivos nunca comem, só bebem. E, por um milagre da TV, depois de passarem o dia fora, ainda acham gelo dentro dos baldinhos colocados sobre o bar de seus apartamentos de solteiro.
Desde que Ofélia Anunciato pegou o Expresso Zefir em Santos para inaugurar sua cozinha na extinta TV Tupi, no programa de Maria Tereza Gregori, muito já se falou em comida na televisão.
Em "Pecado Rasgado", Reneé de Vielmond se empanturrava de coquetel de camarões e, em "Vereda Tropical", Georgia Gomide dirigia uma cantina. "Antonio Maria" comia bacalhau a Gomes de Sá. Lolita Rodrigues e Patricia Pillar faziam coxinhas e empadinhas para ajudar a falida Glória Menezes em "Rainha da Sucata" e Berta Zemel transformava em cantina sua casa em "Vitória Bonelli".
Mas não se iludam: tudo é de mentirinha. O sorvete é feito de purê, a salada só brilha por causa de um spray, o chope é sempre quente e o café é sempre frio. Argh!!!

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