São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quando se assustar com o déficit público

MAILSON DA NÓBREGA

O debate sobre o déficit público, que tem apenas cerca de 15 anos, evoluiu muito. Na primeira fase do governo Sarney, houve alguma confusão. No famoso Livro Branco do Déficit Público, se declarava, surpreendentemente, que o problema não existia.
Talvez por conta disso, no Plano Cruzado ignorou-se a questão, imaginando que a inflação era uma mera questão da inércia do sistema de preços.
Após o fracasso do plano, o assunto reassumiu sua importância. Infelizmente, a situação piorou com a nova Carta Magna, que magnificou o déficit.
Apesar da Constituição, a sociedade percebeu que o déficit público e a forma de financiá-lo eram problemas. O tema nunca mais saiu da agenda. Hoje, dos economistas do PT aos liberais, reclama-se da falta do ajuste fiscal.
Ninguém duvida de que o Plano Real é insustentável com os nossos elevados níveis do déficit fiscal. Bate-se tanto na tecla que tem gente receando um fracasso do Real já, um exagero tão grande quanto sustentar que o déficit não preocupa.
O equívoco é não considerar a dimensão temporal do déficit. Ele será uma grande ameaça se nada for feito nos próximos anos. Não agora.
E, mesmo que se quisesse, há barreiras institucionais ao ajuste fiscal impossíveis de remover a curto prazo.
O "frisson" aumenta quando a mídia divulga com estardalhaço a dívida mobiliária da União.
De fato, do início do Plano Real a dezembro de 1996, a dívida pulou de R$ 93,9 bilhões para R$ 197,9 bilhões. Vista isoladamente, a expansão mete medo.
Dado mais importante: a dívida líquida do setor público, como um todo, evoluiu muito menos, de 30,5% para 34,5% do PIB no mesmo período, sob influência de três fatores extraordinários.
Esses fatores foram a explicitação de déficits ocultos (os chamados esqueletos) a acumulação de reservas internacionais e a demora dos Estados e municípios em se adaptar à estabilidade monetária.
A consequência prática da explicitação dos esqueletos é mudar o financiador e, dependendo do caso, aumentar o seu custo. No primeiro instante, acarreta pulos na dívida, um efeito de uma vez por todas, que, portanto, não se repetirá.
A acumulação de reservas aumenta o endividamento líquido, pela diferença entre os juros internos e externos. Os juros internos estão caindo e o ritmo de acumulação já diminuiu de US$ 11 bilhões, em média, desde o plano para US$ 8,6 bilhões em 1996. Deve diminuir novamente em 1997 e 1998.
Os Estados e municípios aprenderam que aumentos de salários elevam a despesa. No passado, a inflação neutralizava os reajustes nominais. Com a descoberta do óbvio, tentam reduzir o prejuízo com planos de demissão voluntária e medidas de ajuste fiscal.
Não é sem razão que praticamente todos os Estados estão desenvolvendo programas de privatização e de concessão de serviços públicos. Não têm alternativa. Além disso, em face da CPI dos precatórios, fazer novas dívidas deve ficar difícil.
O déficit nominal do setor público, de 7% do PIB em 1995, caiu para 6% em 1996. Deverá cair novamente neste ano, para algo como 5% do PIB. É uma queda lenta, mas está acontecendo. Sua aceleração dependerá das reformas.
É claro que a ausência do ajuste fiscal é ruim. Sem ele, a política econômica fica excessivamente dependente dos juros e das restrições creditícias. O custo das eventuais correções de rota é alto. Encarece o investimento, e o PIB cresce abaixo do seu potencial.
Nos próximos dois ou três anos não dá, entretanto, para divisar uma deterioração macroeconômica por razões fiscais, a menos que haja leniência na gestão orçamentária ou perda de condições de governabilidade, o que paralisaria as reformas.
Está acontecendo o contrário. O governo resiste a pressões para aumentar salários do funcionalismo. Não há indicações de que o salário mínimo seja aumentado de forma a agravar a situação da Previdência.
O prestígio popular e os recursos de poder do presidente estão em seus melhores momentos. As reformas ficaram menos difíceis e politicamente mais baratas. Luta-se pela renovação do Fundo de Estabilização Fiscal, que desvincula receitas e melhora a administração das finanças federais.
Em resumo, caso não resolvida, a questão do déficit público pode destruir o Plano Real; mas, pelo andar da carruagem, há tempo para esperar. O que não se pode é esmorecer.

Texto Anterior: Tamanho importa; Na rabeira; Crédito curto; "1 certificado"; Sócio conveniente; Separação consumada; Trocando cortadas; Loira descartável; Disputa judicial; A lei, ora, a lei; Fusão gelada; Esquentando o suco; Mais usuários; De olho no Brasil; Rumo ao interior
Próximo Texto: CPI dos títulos públicos: o joio e o trigo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.