São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Periscinoto deixa Almap como 'estagiário'

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

Alex Periscinoto, 66, deixou a presidência da agência de publicidade Almap/BBDO, no último dia 7, como um estagiário começa na profissão: cheio de entusiasmo.
É por isso que uma entrevista, inicialmente marcada para fazer um balanço da longa vida profissional de um nome histórico na publicidade brasileira, acabou virando uma entrevista sobre o presente e o futuro do setor.
Alex, que começou trabalhando nele para lojas de departamento, está na Almap há 36 anos. Poucas pessoas que conheço mostram tanto afeto, sem afetação, pelo que faz como ele.
Esse sentimento fica claro quando ele pronuncia a palavra que mais usa quando quer dizer que um comercial (ou uma coisa) ficou muito boa: gostoso.
Foi no escritório, entre as fotos de seus gurus que vão desde publicitárias americanas (Mary Wells), cineastas (Woody Allen), pessoas de comunicação (Johnny Carson e Walter Cronkite), até Tom Jobim, que ele, sempre no tom didático que marca as suas observações sobre a publicidade, conversou com a Folha na sexta-feira.
*
Folha - A sucessão nas empresas brasileiras costuma ser complicada. Como você resolveu essa questão na agência?
Alex Periscinoto - Em primeiro lugar, nesse setor, é preciso se considerar que as qualidades exigidas para se obter êxito nem sempre são transmitidas para os herdeiros, se houver herdeiros.
O grande erro das empresas é não reconhecer esse fato. Quando eu comecei a pensar no processo sucessório, eu procurei me inspirar nos modelos lá de fora.
Eles criaram "boards" de profissionais que passaram a comandar as agências. Hoje em dia a coisa precisa ser bastante profissional, senão ela não anda.
A sorte ou o talento é descobrir quem vai entrar nesse board. Você precisa passar um radar no mercado e descobrir quem você quer.
Depois, vem a questão do "timing". Quando fazer a sucessão? Eu senti que a agência está em um pique maravilhoso. Os clientes já aprovaram a gestão desses dois rapazes, o Marcello Serpa e o José Luiz Madeira. Como está tudo certinho, nós decidimos criar esse board, nós três.
Eles operam o dia-a-dia, eu continuo como sócio da companhia e vou fazer, a pedido da BBDO, o que eles chamam de assessoria ou aconselhamento para a América Latina.
Existe um casal no Canadá que viaja por lá e pelos EUA dando treinamento para as grandes famílias sobre a sucessão.
No meu caso, eu estou com aquele gostoso sabor de ter feito uma boa lição de casa.
Folha - Como o seu radar chegou aos nomes?
Periscinoto - No caso do Marcello Serpa, eu vinha atrás dele há seis anos, desde quando ele estava na DPZ. Para mim, na área de criação, ele é figura de primeiríssimo time. Ele já é um "Grand Prix" em Cannes, veja só.
O Marcello sempre foi o pivô do meu projeto. Nós chegamos juntos ao nome do Zé Luiz.
Folha - Nos últimos anos, duas tendências se verificaram no mercado brasileiro. Por um lado, a internacionalização das agências de publicidade. Por outro, a explosão de pequenas agências, com o conceito de agências criativas.
Periscinoto - O fato da Almap ter sido a primeira agência, em 1960, a ter um sócio criativo, que foi o José de Alcântara Machado, mostrou que essa era realmente uma tendência.
Hoje é impossível fazer uma agência que não tenha uma pessoa de criação "on top" ou em nível do outro comando, o comando de planejamento e administrativo.
Nós estamos vendo que os chamados "criativos", hoje, são pessoas perfeitamente capazes de administrar uma empresa.
A internacionalização, por outro lado, é uma coisa que veio para ficar não apenas por desejo ou gosto das agências locais. Veio por que os clientes cada vez mais são internacionais.
Nós não temos mais medo dessa internacionalização. O Brasil está com porteiras muito grandes, com porteiras abertas. Então, não há como não fazer essa associação que empresas dos outros setores também estão fazendo.
No caso da prestação de serviço em publicidade, o grosso do faturamento é internacional.
- Há quem diga que as agências internacionais não têm a criatividade ou a mobilidade das agências locais, o que seria uma desvantagem para atuar aqui.
Periscinoto -A publicidade nacional chegou a um patamar muito gostoso. Nós chegamos até a ser terceiro lugar em Cannes. Nós estamos em ótima situação quanto ao talento criativo no Brasil.
Quanto à multinacional nos encurralar na nossa capacidade criativa, só para falar de casa, a BBDO é uma enorme agência nos EUA, mas é também a mais premiada e a mais criativa de lá.
Para os nossos clientes que vêem de lá, nós temos a liberdade de sermos tão ou mais criativos aqui do que nos EUA.
Muitas vezes, um cliente nacional tem necessidades mais específicas do que um de que vem de fora. Por exemplo, um anúncio da linha imobiliária. São anúncios que, no jornal, têm impacto e são precisamente informativos. Raramente você tem alguma coisa criativa.
A mesma coisa com o varejo, que é outro cliente local que muito raramente sai daquele padrão informativo.
Folha - Você falou da premiação. Diz-se que existe um tipo de publicidade muito eficaz para gerar prêmios, mas que não é eficaz na mesma medida para o cliente.
Periscinoto - Nenhum cliente compra só a criatividade empacotada. Ele procura soluções criativas para os seus problemas.
Quando a solução é boa do ponto de vista criativo, ela tem mais lembrança. Essa é a função da peça criativa.
O prêmio é uma consequência. O prêmio de Cannes valoriza a criação, a originalidade nas soluções.
Para o meu gosto, o comercial mais criativo até hoje feito no Brasil, e que conquistou grandes prêmios lá fora, que, para mim, ganha o prêmio de simplicidade, o prêmio de baixo orçamento para produção, o prêmio de adequação, foi o filme do Hitler para a Folha.
Se alguém me disser: pega uma peça brasileira, rouba e leva para você, eu pegaria aquela peça. Ela tem tudo a ver com o jornal. É um filme em branco e preto, reticulado, o texto é um primor e ele tem uma sequência de um comercial de 30 segundos que te segura até te revelar o que aquilo tudo queria dizer.
Merecia um prêmio? Todos. Mas foi uma peça feita apenas para ganhar prêmios? Não. Ela foi feita para resolver os problemas da Folha.
Folha - Fala-se muito que a publicidade brasileira virou uma guerra de egos entre os publicitários. Isso é prejudicial para a imagem do setor?
Periscinoto - Nesse setor, os profissionais ficam um pouco mais na vitrina, ficam mais expostos.
Mas, se você olhar bem, em outras profissões também existe essa guerra de egos. Veja a área médica, por exemplo, onde também há muita ciumeira.
Se o publicitário almejar, com o tempo, a confiança do cliente, ele será mais maduro. Se ele quiser atropelar o processo e aparecer antes da confiança do cliente, ele poderá ter problemas.
Além de tudo, deve-se levar em consideração que não é muito difícil aparecer na mídia.
Folha - Hoje em dia a carreira de publicitário é a mais procurada nos vestibulares. Isso não é uma distorção de orientação para o mercado de trabalho? O Brasil não precisa mais de médicos, de engenheiros, de enfermeiras do que de publicitários?
Periscinoto - Realmente, está um pouco desproporcional. Nós estamos formando entre 800 e mil profissionais por ano, e o mercado teria espaço para cerca de 10 ou 15% desse contingente.
Às vezes, ela funciona como uma profissão curinga. O estudante pode virar uma pessoa da área de marketing, pode trabalhar em um jornal, pode trabalhar para o cliente. O campo é um pouco mais aberto do que somente o mundo das agências.
O fato é que a maioria dos estudantes sonha em vir para a criação, só depois é que ele pensa nos outros departamentos como a mídia, a pesquisa.
Eu costumo brincar que eles estão fazendo a corrida dos espermatozóides. É uma corrida para muito poucos vencerem. Além disso, você precisa levar em consideração que você tem hoje a concorrência dos espermatozóides produzidos em laboratórios (risos).
Folha - A mídia está mudando rapidamente, e há uma certa incerteza sobre o futuro dos veículos. De que forma a publicidade está refletindo esse momento?
Periscinoto - Eu tenho uma visão ótima desse assunto. Em primeiro lugar, nós todos já somos muito segmentados. Com o controle remoto, nós ficamos mais ainda. Você não assiste mais a televisão, você edita a televisão.
Hoje a informação é um oxigênio. Nós temos uma vontade insaciável de informação. Cada vez mais, um homem informado vale mais. Nós temos um apetite imenso pela informação. Meia hora depois de ingerir um jornal ou uma revista, você já está querendo mais informação.
Eu acho que o jornal será eterno. Nele, você vai aos detalhes. A palavra escrita é tida como mais verdadeira do que a palavra falada.
A Internet ainda é muito lenta e tem uma enxurrada de informações. Dá muito trabalho limpar para pegar uma coisa boa. A Internet não está ainda bem editada, não é seletiva. Ela aceita tudo.
O jornal tem editor, ele já vem editado. Você tem o corpo de redatores que edita o jornal para você. O jornalista está pensando na gente, no leitor, no consumidor dele. Na Internet não há ninguém pensando por você.
Além disso, é dificílimo você tirar o anúncio imobiliário ou o anúncio de varejo do jornal. As pessoas precisam daquele pedaço de papel, daquele documento, com o preço, as prestações, o tamanho do imóvel, a localização etc. Se você viu esse anúncio na televisão, você não vai poder memorizar tudo: a imagem do prédio, a planta do apartamento etc.
Folha - Parece que a comunicação de uma marca exige hoje mais ingredientes do que a publicidade pura. Como as agências estão encarando esse desafio?
Periscinoto - As agências estão preparadas para esse fato. Hoje há consciência de que uma marca precisa de mais.
Mas, também, há consciência de que não existem muitos canais bastante efetivos para colocar a marca no pedestal que ela merece. Vai da grande mídia para a mídia média, mas fica por aí.
Tem gente que pega uma marca e põe na camisa de um jogador de futebol e ganha um juro de comunicação muito alto. Esse juro é o conhecimento da marca.
Quanto mais famosa é uma marca, mais ela protege a imagem de quem usa o produto.
Folha - Está se discutindo novamente a remuneração das agências na veiculação dos anúncios. Os 20% de comissão obrigatórios voltaram a ser questionados. Qual é a sua opinião sobre ela?
Periscinoto - Sobre essa questão, foi muito importante uma tomada de posição da Abap, que teve a inteligência de convidar o Petrônio Corrêa, que é um homem de um bom senso incrível, e que está trabalhando junto com o Ivan Pinto para colocar essas coisas no caminho de uma negociação.
O que é essa negociação? Vamos ver até onde é bom para os dois lados e vamos parar por aí. Senão vai virar uma zorra e o mercado publicitário vai virar um mercado persa. E aí, nós aniquilaremos a profissão, que é útil e que está provado que ela é a grande força auxiliar do desenvolvimento das empresas.

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