São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Compararam Miguel Falabella a Tchecov!

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Caralho, piranha, vai tomar no cu." O dramaturgo Miguel Falabella gosta de um palavrão. Acredita no efeito humorístico do palavrão. Acumula palavrões pela peça, fazendo o público saltar do riso para a gargalhada enquanto a peça salta de "pinto" para "viado" para "filha da puta".
Ainda assim, não desiste de tornar-se Tchecov, como escreveram sobre ele uma vez, no Rio de Janeiro. Compararam Miguel Falabella a Tchecov!, o russo autor de "Tio Vânia", "As Três Irmãs". Pois "Todo Mundo Sabe que Todo Mundo Sabe", com todos aqueles palavrões citados e muitos mais, é a versão de Falabella e da co-autora Maria Carmem Barbosa para "O Jardim das Cerejeiras", também de Tchecov, na tradução de Millôr Fernandes.
A decadência da família aristocrata. A grande dama que vende os bens para sobreviver, "degraus" abaixo na sociedade. "Aqui vivemos os dias mais felizes de nossas vidas", diz ela, como diria madame Raniévskaia. Retrata o fim de uma era -ou poderia retratar, não viesse três décadas depois de "Pigmaleoa", do mesmo Millôr Fernandes, então já a imagem da decadência da alta sociedade carioca, zona sul.
Palavrões demais ou não, original ou não, "Todo Mundo Sabe que Todo Mundo Sabe" tem, contudo, a sua graça. Em grande parte no texto, que emociona, com algumas passagens de verdadeira revelação das relações humanas, ainda que entrando perigosamente pelo melodrama -e com direito a um "adágio" repetido à náusea.
Mas uma graça devida também às atuações de ternos momentos tanto de Laura Cardoso, como a tia sábia, um apêndice da família, como de Arlete Salles, a patética e tocante dama decadente. A primeira responde, com a qualidade própria de uma maternal e experiente atriz de teatro, pelas frases feitas, pelas "one-liners" entre cômicas e esforçadamente abstratas que marcam todas as peças de Miguel Falabella.
Um exemplo cômico: "Se tivermos que descer mais degraus, eu opto pela pobreza. Classe média, não!". Outra, em ápice dramático: "Mulheres são atrizes, e que atrizes!".
Se acompanha fórmulas em sua escritura e trama, algumas aliás conhecidas de outras "comédias dramáticas" de sucesso, como "Pérola", de Mauro Rasi, a peça de Falabella e Maria Carmem se esforça em vôos mais altos e arriscados, com alguns personagens.
Vista de determinado ângulo, o tema maior de "Todo Mundo Sabe" passa a ser o homossexualismo, tratado em muitos momentos com um romantismo incomum em espetáculos comerciais. Um dos filhos, na família decadente, é homossexual. A mãe quer fazer dele a saída para as suas dificuldades sociais e financeiras, fazer com que se una a um jovem rico -que antes ela queria casar com a filha.
A aproximação dos dois, que se dá antes da armação, é cômica, mas também apaixonada. E acontece ali, sem toque físico, mas ainda assim emocionada, emocionante, diante de uma seduzida platéia de classe média.

Peça: Todo Mundo Sabe que Todo Mundo Sabe
Texto: Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa
Com: Laura Cardoso, Arlete Salles, Rodolfo Bottino, Bia Nunnes e Alexandre Barbalhos
Direção: Miguel Falabella
Quando: sexta, às 21h; sábado, às 20h e 22h; domingo, às 19h
Onde: teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, tels. 883-4475 e 282-2409)
Quanto: R$ 30

Texto Anterior: Conheça os novos espaços culturais da cidade
Próximo Texto: Tinetti faz concerto de homenagens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.