São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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Deuses, ídolos, cultos e decepções

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Acho que estamos todos conectados por uma energia rítmica universal." A autora dessa frase tão profunda não é nenhuma atriz hippie brasileira em busca de papel em filme cabeça.
A responsável pelo escorregão, em entrevista para a revista "Rolling Stone", foi ninguém menos que a deslumbrante Gillian Anderson, deusa planetária, a agente Scully da série de TV "Arquivo X".
Energia rítmica universal!... A gente poderia ter passado sem essa, Gillian.
*
Deuses, deusas, ídolos, cultos, decepções. Na sanguinária arena pop, todos se reinventam, fazem-se passar por aquilo que não são.
A fantasia do ídolo pop como oráculo tem ano de nascimento: 1967. Em San Francisco, oeste dos Estados Unidos, eclodia o movimento hippie, "conscientizado", "político".
A imprensa dirigida ao público jovem tinha de se adaptar aos novos tempos. Das carinhas bonitas e perguntas do tipo "qual sua cor preferida", deu-se um salto de longa distância.
Os artistas jovens passaram a opinar sobre tudo: desarmamento, o assassinato de Kennedy, o futuro da humanidade. Os jornalistas também assumiam papel de estrelas da contracultura.
A época e o fenômeno são descritos e comentados em detalhe pela jornalista britânica Mary Harron no ensaio "McRock, o Pop Como Mercadoria", que faz parte do livro "Facing the Music", editado em 1988, nos EUA.
Uma das entrevistas mais marcantes desse tempo foi feita pelo repórter Ben Fong-Torres, da "Rolling Stone", com o músico folk David Crosby, então nos Byrds.
Na descrição de Mary Harron, Crosby falou sobre violência policial, Panteras Negras, poder do complexo industrial militar e mais uma infinidade de tópicos "sérios".
Todo sabemos no que daria o guru Crosby 10 anos depois: um farrapo humano corroído por cocaína e quantidades oceânicas de álcool.
*
Uma névoa espessa protege o mundo pop contra curiosos e inconvenientes.
Scott Wieland, vocalista dos Stone Temple Pilots, posa de "feminista" e "frágil", mas um dia um ex-colega de escola escreve para a revista "Spin" e revela que Wieland era o garanhão do colégio e batia direto nos garotos menores.
Milhares de jovens endeusam o New Order como arautos do mais pesado pessimismo fim-de-século, mas, quando a banda acaba e seus componentes começam a falar... percebe-se que eles tinham muito pouco a dizer.
E o próprio poeta suicida Ian Curtis, líder do Joy Division (que foi embrião do New Order), é descrito em livro pela mulher como um "poseur" que pensava mais em roupas do que em rock and roll.
Não acredite em nada. Nem na beleza de Gillian Anderson.

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