São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Cartolas-jogadores desafiam rivais

MÁRIO MOREIRA
DO ENVIADO A SERRA TALHADA (PE)

Para Paulo Moura, técnico do Ferroviário, mais novo time profissional de Serra Talhada, é fácil barrar o meia Robério.
Difícil mesmo é explicar a exclusão ao presidente do clube, Robério Alvim Cavalcante, que vem a ser o jogador condenado à reserva.
"Como jogador, engulo sapos; como dirigente, faço cobranças", diz Robério, rindo.
Com o meia Aron Lourenço Araújo, o dilema do treinador se repete -Aron preside o Conselho Deliberativo do Ferroviário.
O atacante Washington, craque da equipe, também é cartola -integra o conselho. O lateral-direito Duda é outro conselheiro.
Dirigentes já foram barrados, mas nem por isso Paulo Moura teve a posição ameaçada.
Moura já comandava o time no futebol amador, e dia 6 vai estrear com ele no profissionalismo, na segunda divisão do Estado.
Se o ambiente fica pesado no clube, tudo se resolve em almoços familiares. Os irmãos Robério e Washington são cunhados de Moura e primos de Aron e Duda.
O mais fiel torcedor, com o Ferroviário onde o Ferroviário estiver, é o aposentado Godofredo Alvim da Silva, pai de Robério e Washington, sogro de Moura, tio de Duda e primo de Aron.
É o futebol em família.
Embate político
Um dos motivos da transformação do time em profissional é esportivo: o Ferroviário cansou de ganhar como amador. Outro, tão importante ou mais, são as querelas políticas de Serra Talhada.
O Serrano, profissionalizado em 1996, era incentivado pela administração municipal da coligação PDT-PSB, derrotada em outubro.
O presidente do Serrano, José Raimundo Filho, era o secretário de Esportes do município.
Com a vitória eleitoral do novo prefeito, Tião Oliveira (PFL), o vice-presidente do Ferroviário, Ronaldo Melo, assumiu a secretaria.
O novo governo resolveu então apoiar uma equipe rival do Serrano na segunda divisão.
Como a Federação Pernambucana desaconselha dois times profissionais em cidade com menos de 100 mil habitantes, os dirigentes do Ferroviário pediram ao líder do PFL na Câmara dos Deputados, Inocêncio Oliveira, irmão do prefeito, para interceder.
"Devemos tudo ao deputado", diz Robério. O cartola-jogador aposta em vitória no clássico, dia 6, desafiando a maior experiência do Serrano.
Diplomático, Inocêncio Oliveira afirma que não prefere nenhum dos dois clubes de Serra Talhada e que ajuda os dois.
Na roça
O que move os jogadores não são antagonismos políticos, mas o entusiasmo pelo futebol.
Seis, entre os quais o bancário Robério, o eletricitário Washington e o inspetor da Fundação Nacional de Saúde Aron, não recebem nada, pelo contrário: tiram do bolso para ajudar o clube.
O profissionalismo, porém, ainda estimula a miragem do sucesso, mesmo para quem chega tarde.
O lavrador Reginaldo Batista de Melo, 29, começou a trabalhar na agricultura aos 10 anos.
Ele ajudava o pai, Romão José de Melo, conhecido como Ciço porque deveria se chamar Cícero, homenagem ao líder religioso cearense Cícero Romão Batista.
Como o páraco local era adversário político do padre Cícero, vetou o nome escolhido pelos avós do atleta-lavrador Reginaldo.
O jogador está morando na cidade, mas vai muitas vezes por semana para a roça dos pais.
Eles plantam milho, feijão, cebola, algodão e frutas, no solo irrigado pelo rio Pajeú, que passa ao lado da fazenda de 98 hectares, trocada por um caminhão usado.
Com um filho de 9 anos de um casamento e outro, de uma namorada, a caminho, Reginaldo crê que ainda é tempo de vencer no futebol. "É um sonho antigo, que agora pode ser realidade."
Futebol é paixão da família camponesa. No almoço de sábado, cercada por som de pássaros, ela comenta o último gol de Roberto Carlos, na Espanha, visto na TV.
E planeja a próxima romaria a Joazeiro do Norte (CE), onde vai rezar para o padre Cícero.
(MM)

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