São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O refúgio da memória

JOSÉ LUÍS SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Despertar de um Homem", de Tobias Wolff, é uma história verdadeira -ou tão verdadeira quanto uma narrativa memorialística pode ser. Sempre sujeita às vicissitudes da memória e à autocomplacência do autor, essa forma literária aspira à verossimilhança sem nunca poder assegurá-la.
O romance venceu o prêmio do "Los Angeles Times" para biografia e é o segundo de Wolff, ex-repórter do "Washington Post" e veterano da Guerra do Vietnã. Desde 1980, Wolff é escritor residente na Universidade de Syracuse. Seu primeiro romance, "Ladrão de Quartel", ganhou o prêmio Pen/Faulkner de 1985.
"O Despertar de um Homem" começa em 1955, quando o jovem Toby Wolff muda o seu próprio nome para Jack, em homenagem ao escritor Jack London. Este é o início do despertar, ou do ato de fazer-se sujeito de si mesmo, do autor. Pouco depois, ele parte com sua mãe, Rosemary, da Flórida para Utah, em meio à chamada "corrida do urânio". Ela havia se separado do pai de Jack e fugia de um namorado violento com a esperança de encontrar urânio e enriquecer.
O plano é obviamente insano, e falha. Os dois seguem então para Seattle, no Estado de Washington, onde Rosemary conhece e se casa com o mecânico (e não pintor de paredes, como afirma a orelha do livro) Dwight.
É nesse ponto que o "despertar" se intensifica. Dwight, de início afável e atencioso com Rosemary e Jack, revela-se um tirano doméstico, disposto a subjugar todos -e a Jack, em especial. Todo o resto é a luta de Jack para afirmar-se em sua individualidade, fantasiando ser o que não é e, por consequência, forjando uma aparência distinta de si mesmo.
A narrativa de "O Despertar de um Homem" é franca e surpreende pela riqueza de detalhes objetivos e subjetivos, mas deixa a nítida impressão de ter sido escrita para ser filmada -o que de fato aconteceu em 1993, pelas mãos do diretor Michael Caton-Jones, com Robert De Niro, Ellen Barkin e Leonardo Di Caprio como protagonistas.
O livro segue ao pé da letra a estrutura conflito/desenvolvimento/resolução, tão comum em Hollywood, além de contar com precisos "pontos de virada" entre uma etapa e outra, exatamente como convém a roteiros de sucesso. Tenha ou não sido escrito sob a forma de sequências de imagens, o que quase sempre prejudica um romance, "O Despertar de um Homem" não é um grande livro. Não contém inovações estilísticas ou estruturais, nem é capaz de prender o leitor, como os melhores roteiros ou thrillers psicológicos o fazem.
O romance, contudo, traz consigo o interesse inerente ao relato autobiográfico destituído de pruridos morais, que nesse caso disseca os conflitos e jogos de poder, para muitos inconfessáveis, envolvidos na formação de um jovem.

Texto Anterior: A cultura da apropriação
Próximo Texto: O que falta ao cinema brasileiro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.