São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Ex-KGB muda versão sobre Rosenberg

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

A rede de TV paga Discovery Channel mostra hoje nos EUA o depoimento de um ex-agente da central soviética de inteligência (KGB), segundo o qual Julius Rosenberg, executado em 18 de junho de 1953, após um dos mais controvertidos casos jurídicos do século, fez espionagem industrial e militar para a então União Soviética, como dizia a acusação contra ele.
Alexander Feklisov, 83, é a primeira autoridade soviética a comentar em público o caso Rosenberg. Mesmo após o fim da URSS, o governo russo continuou a sustentar a inocência de Rosenberg e de sua mulher, Ethel, também executada, e a se recusar a tornar públicos seus documentos secretos sobre o episódio.
Mas, de acordo com Feklisov, Julius nunca passou à inteligência soviética qualquer segredo militar importante. Ethel Rosenberg, segundo Feklisov, sabia das atividades do marido, mas nunca participou delas. O ex-agente da KGB, que continua fiel aos princípios comunistas, diz que a execução do casal foi "uma grande injustiça".
Julius e Ethel Rosenberg eram filhos de imigrantes judeus. Nasceram e cresceram em Nova York. Conheceram-se em manifestação do Partido Comunista dos EUA, ao qual eram filiados, e se casaram em 1939. Ele era funcionário civil do Exército. Seu cunhado, David Greenglass, trabalhava como mecânico em Los Alamos, onde as Forças Armadas desenvolveram a primeira bomba atômica dos EUA.
O testemunho de Greenglass, que fez um acordo com a promotoria para colaborar com a acusação em troca de pena reduzida (ele pegou 15 anos de prisão), foi a principal peça do caso contra os Rosenberg. Ele disse que havia passado documentos sobre a bomba à irmã e que ela e o marido os tinham repassado aos soviéticos.
Feklisov, que diz ter tido pelo menos 50 encontros com Rosenberg, confirma ter recebido dele o desenho feito por Greenglass do que seria parte do projeto da bomba. Mas, segundo Feklisov, aquilo não passava de "rabiscos infantis sem nenhum sentido" que em nada ajudaram a inteligência soviética a descobrir o que estava sendo feito pelos militares dos EUA.
Apesar dos poucos resultados práticos da colaboração de Rosenberg, Feklisov o considera "um verdadeiro herói revolucionário". Ele diz no programa de hoje que "muitas pessoas acreditavam no comunismo, mas poucas tinham o desejo de lutar como ele".
O caso jurídico do governo contra os Rosenberg nunca foi forte. Advogados importantes como Alan Dershowitz até hoje sustentam que o casal não podia ter sido condenado à morte com base nas evidências e testemunhos apresentados no tribunal. A condenação ocorreu em 1951. Os Rosenberg perderam todos os recursos à sentença. O último, na Suprema Corte, por 6 votos a 3. Julius tinha 35 anos de idade, e Ethel, 37, quando morreram em cadeiras elétricas.
Os Rosenberg foram considerados por quatro décadas pela esquerda internacional como mártires injustiçados. A partir de 12 de julho de 1995, no entanto, quando os EUA divulgaram os documentos do projeto chamado Verona, que consistia na decodificação de mensagens da URSS interceptadas pelo Exército americano de 1943 a 1946, poucos ainda continuaram sustentando que o casal não tivesse espionado para os soviéticos.
Os contatos entre Rosenberg e Feklisov, que teve o ponto máximo de sua carreira na crise dos mísseis cubanos, em 1962, quando serviu de contato entre a Casa Branca e o Kremlin, estavam documentados.
Os filhos dos Rosenberg, Robert e Michael Meeropol, que tinham 10 e 6 anos quando os pais morreram e depois foram adotados pelo casal que lhes deu o nome atual, se recusaram a encontrar Feklisov e disseram que só farão comentários sobre suas declarações após a exibição do programa.

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