São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 1997
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Escritor brasileiro provoca língua alemã

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BERLIM

Um brasileiro que decidiu reformar a língua alemã se tornou um sucesso editorial no país. Cláudio Matschulat, 40, que tem o nome artístico Zé do Rock, vendeu na Alemanha cerca de 8.000 exemplares de seu livro, "fom winde ferfeelt" ("E o Vento Levou").
Lançado originalmente em 1995 por uma pequena editora em Berlim, a Diá, o livro terá neste ano duas reedições.
A editora Kiepenheuer lançará daqui a duas semanas mais 3.000 exemplares, e a Piper programa uma edição de bolso.
Concebida a partir das conversas que tinha com seus fregueses alemães na época em que dirigia um táxi em Munique, a obra de Zé do Rock aponta, com muito humor, contradições da língua alemã.
Propõe e aplica novas regras ortográficas, morfológicas e sintáticas, que aproximam as linguagens falada e escrita. O conteúdo do livro é a história do autor, há 17 anos fora do Brasil, e sua viagem de carona por 102 países.
Descendente de alemães, o gaúcho Zé do Rock tenta agora publicar no Brasil uma adaptação de seu livro para o português, que se chamaria "I au Vento La Vou".
Em entrevista à Folha, ele defendeu o "brasilês", um português simplificado que ele já adota em todo o texto que escreve:
*
Folha - A que se deve o sucesso de seu livro na Alemanha?
Zé do Rock - À qualidade e ao momento em que foi publicado. Está muito em voga na Alemanha a discussão sobre a reforma ortográfica. É um livro diferente, com uma história que não chega a ser desinteressante. O sucesso também se deve ao humor.
Folha - Foi difícil achar uma editora?
Zé do Rock - Levei um ano para publicá-lo. Para chamar a atenção das editoras, sempre mandava com o manuscrito uma garrafa de Cinzano, para o editor ficar com apetite de ler o livro. Saiu caro. Consegui respostas rápidas, mas negativas, de 19 editoras.
Folha - O que você fazia no Brasil antes de viajar pelo mundo?
Zé do Rock - Desde que sou adulto, estou viajando. No Brasil, tive uma meia dúzia de profissões, principalmente tradutor. Também fui vendedor de enciclopédias. Estudei até o colegial, mas fiz geografia na prática.
Folha - Em seu livro, você, um estrangeiro, chama a atenção para uma série de coisas da língua alemã, que para um alemão passam despercebidas. Como brasileiro, você acha que a adaptação para o português tem um efeito tão curioso como no caso do alemão?
Zé do Rock - Fazer uma ortografia lógica tem um certo efeito de diversão para o público, tanto para o alemão como para o brasileiro. O alemão tem uma vantagem: ele tem um certo chauvinismo linguístico, achando que sua língua é a de Goethe, Schiller etc. Eu mostro que essa língua não é tão lógica. Ao ler o livro, eles se surpreendem. No Brasil, se eu falo que a língua é cheia de erros, todo mundo vai concordar. Eu proponho o "brasilês", declarando a independência linguística do Brasil. Proponho uma ortografia mais lógica, adaptada à pronúncia brasileira.
Folha - Mas você sugere mudanças que extrapolam, como as palavras você e abraço escritas com s. A idéia é baixar o nível, já que a maioria escreve errado?
Zé do Rock - Não. Se a gente tivesse uma convenção que dissesse que o que se escreve com a letra z tem som de z, que o que se escreve com a letra s tem som de s etc., seria mais lógico. Isso não é baixar o nível.
Folha - Quanto você ganhou com o livro?
Zé do Rock - Cerca de 80 mil marcos (US$ 50 mil).

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