São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 1997
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Prevenir é preciso

JOSÉ SERRA

Não faz muito tempo, duas CPIs levaram, sucessivamente, à cassação dos mandatos de um presidente da República e de deputados federais. Tiveram um papel positivo, diminuindo, digamos assim, a taxa de corrupção na vida pública brasileira, dado o caráter exemplar dos castigos.
Mas a opinião pública julga que ainda é pouco. E tem razão. Primeiro, porque outros escândalos acabaram acontecendo ou, suspeita-se, estão por acontecer. Segundo, porque, no final das contas, nenhum peixe graúdo foi condenado e muito menos preso. Quem não viu Collor, no doce inverno de Miami, de olhos esbugalhados, exaltando suas virtudes, durante dez minutos no "Jornal Nacional"?
A atual CPI dos Precatórios está cumprindo seu papel, apesar dos inevitáveis exageros promocionais de um fórum político que é e nunca deixará de ser. Mas é fundamental, desta vez, que a investigação, as denúncias e as recomendações de punições (a CPI não tem poder para punir) nos levem também a fortalecer as possibilidades de prevenção de novos delitos.
Hoje, ficaremos em duas propostas, relacionadas com o sistema financeiro: 1) criar um órgão de fiscalização financeira a partir da correspondente diretoria do Banco Central, mas separado deste órgão; 2) permitir que a Receita Federal tenha acesso às movimentações financeiras das pessoas físicas e jurídicas.
Nesse último caso, não se trata de quebrar a privacidade dos gastos, que deve ser mantida, mas sim de controlar o volume das movimentações, sem o que não há fiscalização de renda. Aliás, se fosse possível quantificar, poderíamos dizer que metade das transgressões detectadas na CPI dos Precatórios relaciona-se à sonegação fiscal.
A abertura desse canal entre a fiscalização tributária e a financeira, tão bem defendida pelo atual secretário da Receita Federal, existe em países como os Estados Unidos (qualquer cheque acima de US$ 10 mil é notificado). Trata-se, portanto, de uma medida estilo Primeiro Mundo, que tanto apaixona os "yuppies" de nossa elite.
Já o novo órgão de supervisão e fiscalização, formado por pessoal de carreira e com dirigentes desfrutando de mandato fixo, permitiria fortalecer esse trabalho do ponto de vista material e político. Oponho-me à idéia de um Banco Central independente, como uma espécie de quarto poder sem legitimidade. As políticas monetária e cambial fazem parte da política econômica e, portanto, das atribuições do governo federal.
Mas as funções de supervisão e fiscalização devem, sim, caber a um órgão independente, cujos dirigentes não possam ser removidos ao sabor da conjuntura política. A inevitável vulnerabilidade do Banco Central às pressões políticas termina prejudicando a tarefa de fiscalização, independentemente da competência e seriedade de seus técnicos.
Em tempo: quem afirma que a CPI dos Precatórios terminará em pizza comete duas injustiças -despreza os resultados já alcançados e não faz justiça ao saboroso prato de origem italiana.

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