São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 1997
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Carpeaux trouxe humanismo na bagagem

SILVIO CIOFFI
DO ENVIADO ESPECIAL A VIENA

Otto Maria Carpeaux (1900-1978), um dos mais destacados jornalistas brasileiros, nasceu em Viena e estudou física, filosofia e letras em universidades austríacas e alemãs.
Seu sobrenome verdadeiro era Karpfen (embora algumas fontes registrem também a versão Carpeons), e é possível que esse intelectual de formação católica tivesse alguma ascendência judaica.
O que é certo é que Carpeaux chegou foragido ao Brasil, em agosto de 1939, trazendo enorme bagagem cultural e humanista.
Alguns dos biógrafos do autor de "História da Literatura Ocidental" registram que Carpeaux foi secretário de Englebert Dollfuss (1892-34), primeiro-ministro austríaco morto pelos nazistas, fato que o jornalista sempre negou.
Na Folha, em agosto de 1990, o jornalista Paulo Francis (1930-97) foi um dos que aventaram a hipótese de Carpeaux ter servido ao governo Dollfuss, concluindo que o vienense foi "um dos intelectos mais sofisticados" que havia conhecido e que "não há nem mais haverá igual".
Também é certo que Carpeaux lutou ativamente contra o nazismo -e que não era especialmente admirado pelos comunistas, também opositores de Dollfuss.
Quando a Áustria foi anexada, em 1938, Carpeaux ficou vários dias escondido até conseguir fugir via Itália, Suíça e França. Antes de vir para o Brasil, trabalhou em Antuérpia, na Bélgica, onde foi o redator de um jornal flamengo.
Quando a Segunda Guerra Mundial (1939-45) estourou, Carpeaux fazia a travessia do Atlântico no navio belga Copacabana.
Chegando a São Paulo, demorou um ano até dominar o português. Em 1941, a convite de Paulo Bittencourt, tornou-se editorialista do jornal carioca "Correio da Manhã", trabalho que abandonou em 1964 "para não abdicar de posições políticas".
Emoção carioca
"Quando, em 1953, passei seis meses na Europa, revendo todos os lugares onde havia vivido, na Áustria e Alemanha, Bélgica e Holanda, Itália e França, já não fiquei emocionado. Emocionado fiquei, sim, ao rever o Rio de Janeiro." Foi o que declarou em uma de suas últimas entrevistas.
Ao contrário do festejado escritor Stefan Zweig -que escreveu "Brasil, País do Futuro" antes de cometer suicídio ao lado da mulher em Petrópolis (veja nota biográfica na pág. 6-6)-, Carpeaux não teve passagem efêmera pela vida cultural do país, marcando a cena intelectual brasileira de seu tempo.
O autor de "Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira" escrevia à mão e declarava ser um amante da música, das viagens e dos cachorros.
"A erudição nunca tem de ser mais do que um instrumento de trabalho", dizia o jornalista que, nos anos 70, quase foi impedido de trabalhar por ter sido processado com base na Lei de Segurança Nacional pela autoria de artigo intitulado "FMI-Fome e Miséria Internacional".
Carpeaux, o vienense-carioca que nasceu com o século e que, no Brasil, foi reverenciado como um grande transformador do jornalismo, está enterrado no Rio de Janeiro, no cemitério de São João Batista.

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