São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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A represa rachada

ELIO GASPARI

As investigações da CPI dos Títulos Públicos furaram a grande represa das traficâncias financeiras em quatro lugares diferentes e delicados. Por enquanto são furos pequenos e se pode perceber que há um grande esforço para tapá-los. Em quase todos os casos, usa-se a velha técnica da satanização de alguns culpados. Assim foi com o Banco Econômico e até hoje nada se provou contra Angelo Calmon de Sá, salvo que ele quebrou o próprio banco. Assim foi também com o Nacional e até agora as suas contas fantasmas serviram apenas para alavancar o Proer. Para que o distinto público não seja feito de bobo pela satanização dos sócios do Banco Vetor, convém enumerar os buracos da represa:
1) A rachadura do Senado
Ficou exposto um pedaço da relação do Senado com as emissões de títulos ocorridas no ano passado e com aquelas que viriam a ocorrer, se o escândalo não tivesse estourado. Foi por causa dessa relação incestuosa entre senadores, banqueiros e burocratas do Banco Central que o senador Gilberto Miranda, ofendido, ameaçou seu colega Vilson Kleinubing de morte. Os dois resolveram encerrar o assunto e cada um deve ter bons motivos para isso. A rachadura foi fechada por meio de uma solução precária, típica das boas casas de bilhar.
2) A fenda da banca
O banqueiro Ronaldo Ganon disse com todas as letras à CPI que todo título público nasce com comprador predeterminado. Acrescentou que os precatórios são apenas 10% dessa ciranda. Tradução: toda vez que um título é vendido barato num leilão há um tomador final disposto a comprá-lo mais caro. Disso resulta que os papéis tanto podem passar pelos costumes do mercado quanto pelos imensos laranjais onde pontifica a figura do Renê, aquele sujeito que telefonava para Fausto Solano dizendo-lhe a quem deveria entregar malas de dinheiro. Até agora a CPI está passando lotada pela declaração de Ganon. Essa fenda pode ser tapada se meia dúzia de pequenos banqueiros forem satanizados.
3) O túnel do Banco Central
Sem o beneplácito do BC, nenhum título teria sido emitido. Com a fiscalização do BC, que alforriou o Vetor dias antes de liquidá-lo, nenhum laranja teria brotado. A CPI tem sido severa com o banco em termos genéricos, o que é uma irrelevância. No específico, aqui e ali aparecem farpas contra o chefe do Departamento da Dívida Pública, Jairo da Cruz Ferreira. Até prova em contrário, ele foi a única pessoa que tentou barrar uma emissão de títulos. Foi ele quem encaminhou, em 1994, ao professor Pedro Malan (então presidente do BC), o documento de que o atual ministro da Fazenda tanto se orgulha. O túnel pode ser fechado se Jairo da Cruz Ferreira resolver aceitar o papel de pato.
4) O buraco das fundações
Ficou estabelecido que as fundações de previdência de companhias estatais eram freguesas dos banqueiros do papelório. Na semana passada, o ministro Sérgio Motta demitiu a direção da Telos, que controla o dinheiro dos funcionários das empresas de comunicações. A demissão desses senhores pode ter sido uma injustiça e é certamente outra irrelevância. O negócio não é desempregá-los, mas saber o que faziam quando estavam empregados na Telos.
Dificilmente esses quatro furos serão tapados por muito tempo, até porque o material que a represa armazena está começando a transbordar. Acabar com a CPI para permitir que sejam feitos reparos na barragem não é rima nem solução. Essa comissão nada mais é que a reencarnação da velha CPI do sistema financeiro que o presidente Fernando Henrique Cardoso mandou abater a tiros. O material continuará represado, a barragem continuará com problemas estruturais e o máximo que se conseguirá será uma nova CPI, no ano que vem, ano eleitoral.

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