São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997 |
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Juiz decide que dedo mínimo é 'pouco útil'
MARIO CESAR CARVALHO
O juiz Edmundo Lellis Filho, 31, considerou improcedente o pedido de auxílio de acidente de trabalho do metalúrgico Valdir Martins Pozza, que perdeu o movimento desse dedo ao romper o tendão. Pozza, que é canhoto, queria receber mensalmente 30% do seu salário à época do acidente por conta da lesão. Pareceres de peritos médicos e do Ministério Público consideravam procedente o pedido. O juiz discordou. Veja um dos trechos da sentença, publicada no último dia 17 no "Diário Oficial" do Estado: "(...) não é fato comprovado que sua capacidade de trabalho foi efetivamente diminuída pelo acidente, até porque o dedo lesado, 'mínimo', muito pouca utilidade tem para a mão e, por muitos estudiosos em antropologia física, é considerado um apêndice que tende a desaparecer com a evolução da espécie humana." "Nunca vi um juiz dizer uma barbaridade dessas", diz Wilson Roberto Sartori, 42, advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que recorreu da sentença. O acidente com Pozza ocorreu no dia 18 de fevereiro de 1993, na empresa Lucas Concentric Ltda. Ele limpava uma retificadora com a máquina ligada quando um rebolo, pedra que gira em alta velocidade, atingiu o seu dedo. Ficou quatro meses sem trabalhar e, quando voltou, estava com o dedo sem movimento. Em fevereiro do ano passado, foi demitido. Hoje é fiscal de ônibus. Tudo errado Dois especialistas consultados pela Folha dizem que a sentença de Lellis Filho tem erros científicos primários. Ou seja: o dedo mínimo é útil e não vai desaparecer. "Onde esse homem leu que o dedo mínimo vai desaparecer?", pergunta Walter Neves, 39, responsável pelo Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da USP. O quinto dedo é o que caracteriza a ordem dos primatas, da qual o homem é o representante mais jovem. O quinto dedo surgiu há 65 milhões de anos, segundo Neves, e o homem, há 2 milhões. O único traço humano que está em vias de desaparecer, diz o pesquisador da USP, é o terceiro molar, o chamado dente do siso. Ronaldo Azze, 60, professor titular de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP, diz que o mínimo tem função importante nas "apreensões fortes", quando se tem de girar um registro de água, por exemplo. Outra ilustração de Azze ajuda a entender para que serve o dedo mínimo. Tente imaginar sua mão segurando o cabo de um martelo. "Você martela com o anular e o mínimo", diz Azze, um dos maiores especialistas em mãos do país. Função idêntica a essa acontece com as alavancas. Na escrita, é o dedo mínimo que suporta e direciona a mão, afirma o ortopedista. Ainda segundo ele, um dedo mínimo rígido prejudica as funções de toda a mão. Azze diz que uns dedos são mais importantes do que outros. O polegar, por exemplo, responde por 40% das funções de pinça dos dedos. A preponderância do polegar não significa que outros dedos não tenham importância. "Essa sentença é meio biruta", diz. Outro lado O juiz Lellis Filho diz que não pode se pronunciar porque houve um recurso e o processo será julgado pelo Tribunal de Justiça. "Não posso emitir minha opinião em casos sub judice. É um dever do juiz, segundo a Lei Orgânica da Magistratura", afirmou. Texto Anterior: CUT propõe moratória a metalúrgico sem emprego Próximo Texto: Déficit já é de US$ 819 milhões em março Índice |
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